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  • Foto do escritorRubens Marchioni

■ Valéria estava em casa. Estava?


Valéria estava em casa. Uma velha casa num bairro periférico de uma cidade pouco afeita a garantir conforto aos que foram empobrecidos. Será que ela estava?


Com tudo o que isso significa, do alto dos seus pouco mais de 30 anos, ela se agarrava a um diploma obtido num curso técnico, escola sem grife e profissão que figura na lista daquelas que a Tecnologia condenou a uma vida mais curta do que o previsto. Nisso experimentava uma desvantagem em relação aos concorrentes. Além da sensação ruim de que poderia ser vista pela família como uma perdedora contumaz, o que feria seu orgulho e fragmentava-lhe a autoestima.


Essa mulher, de classe bem abaixo da média, vivia um conflito do qual precisava se livrar o mais rápido possível. A ansiedade tomava-lhe a mente e o corpo, e ela desejava encontrar alívio urgente. Valéria tinha dúvidas quanto às suas possibilidades de conquistar o espaço desejado e necessário. Temia pelo cenário feito de ameaças. Não sabia, ao certo, como conviver com uma surpresa que talvez nem fosse muito surpreendente, dado o seu histórico de vida. A confiança gritou um desejo imenso de vencer o medo, que por vezes parecia maior do que ela e do tamanho do seu objetivo. Chegava a ter raiva de si mesma, enquanto fazia alguns ensaios para a prática da autogenerosidade.


Depois de tanto tempo desempregada e com chances ainda incertas, Valéria enfrentaria uma desafiante entrevista de emprego. Nesse campo de batalha, lutaria com perguntas que bem poderiam criar o contexto para arrancar-lhe respostas pouco adequadas, quando o que está em jogo é a performance revelada numa conversa decisiva. Elas, as respostas, poderiam ser suas principais inimigas. E, como sempre, o mensageiro não deve ser punido por não trazer boas notícias – ele fala do que a realidade está cheia.


Vítima de preconceitos por conta da Covid que a dominou com oxigênio escasso, e ausente do mercado de trabalho, ela estava insegura quanto à forma que se identificaria ao recrutador. “Quem sou eu, afinal?”


Claro, Valéria precisava muito daquele emprego. Não poderia se dar ao luxo de cometer deslizes que levassem a uma definição desfavorável do seu futuro profissional, pessoal e financeiro.


Como resolver o problema, numa situação em que não havia espaço para erros, porque a penalidade poderia ser o comprometimento da própria sobrevivência biológica ou quase isso? Primeiro, ela tentou uma autossabotagem velada. Não deu certo. Acabou se vendo na sala de entrevistas. Mas decidiu que precisava contribuir com sua busca maior. E num tempo muito reduzido, mudou a própria forma de agir e falar – em algum lugar do interior, os mais experientes advertem àqueles que estão em vias de sucumbir a um desafio lembrando algo inquestionável: “Quando a água bate na bunda a gente aprende a nadar”. Valéria foi mestra na arte de evitar um afogamento iminente.


Finda a entrevista, ela foi para casa e esperou pelo resultado, como de praxe. O tempo não passava. Os dias não passavam. Nem a ansiedade passava uma hora sem ver aumentado o seu tamanho e os efeitos que produzia.


Alguns dias depois, o telefone tocou. O número era desconhecido. Ela estava enviando outros currículos. Atendeu.


PrimeiЯa versão Ele refletiu: “Os homens são capazes de ficar durante horas trancados, numa sala, discutindo o problema da fome planetária. Já, a mulher, é capaz de se levantar, pegar um prato de comida e levar para aquela família que vive em situação de risco de desnutrição.” E mais não disse.

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