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Foto do escritorRubens Marchioni

■ Uma trégua na paz que não existia


O dia é do Senhor. Mas ele é mestre na arte de dividir. Dividiu-o comigo na hora da liturgia. Na acolhida que recebi. Na minha possibilidade de orar - “Senhor, eu não sei o que estão dizendo, cantando, mas fique com o que existir de melhor nessas palavras, na música dos instrumentos, em tudo, esse é o meu louvor, essa é a minha oração, eis o que posso dizer. Amém.”

De casa, toquei direto para uma loja especializada em produtos poloneses. Sabia exatamente o que queria. Com um copo de iogurte de ameixa e musli nas mãos, passei pelo Caixa. Na hora de pagar, uma experiência feliz: o jovem repetiu o gesto, que vi dias atrás na atitude de uma balconista, sugerindo ter gostado da ideia de acomodar moedas na parte de plástico que vem no interior de todo Kinder Egg. Ela é ideal para guardar moedas de uma libra, 50 e 20 pounds. Só precisei da pergunta “Por que não?” para encontrar esta saída sem nenhum custo.


Andei alguns metros e sentei-me no banco em frente à igreja metodista, o mesmo que durante a semana abriga pessoas sem rumo nem destino. A primeira parte da minha refeição dominical aconteceu ali mesmo, sob o olhar atento de outro templo, o da igreja de São Mathews, a mesma em que na Sexta-feira Santa alguém delicadamente me impediu de visitar – “No service, sorry” – disse a gentil senhora.


Pouco a pouco o copo se esvaziou, até o momento em que peguei a colher de bronze que carregava no bolso da jaqueta e com ela aproveitei as últimas gotas daquele alimento delicioso e saudável.


As pessoas olhavam, talvez sem entender. Queolhem! O copo foi para o lixo. A colher voltou para o bolso da jaqueta, no compartimento em que esperava ser devidamente lavada. Segui meu caminho, até um estabelecimento relativamente próximo à minha casa.


O lugar prometia. Precisava ser conhecido. E não decepcionou. Ao contrário. Era completo em tudo. Inclusive no seu contingente de consumidores, todos com um “sorry” na ponta da língua para usá-lo até mesmo quando desnecessário.


O Kent é um grande supermercado. Completo, como disse. Conhecia-o apenas de passagem, pelas janelas do ônibus. Fui vê-lo pessoalmente. Comprei meu almoço – um pedaço de queijo Brie e um chocolate.


Andando entre casas fechadas e carros com pedigree, devorei a segunda parte da minha refeição, olhos atentos para não perder certos detalhes imperdíveis.


Caminhei. Alcancei o mesmo shopping do dia anterior. Levava na bolsa uma pastinha repleta de ferramentas feitas para criar e escrever. Não foram usadas. A cabeça produziu sem parar. Como já havia almoçado, só faltava o cafezinho de sempre.


Não faltava mais: sobre a mesa, ele estava cremoso e trazia uma camada de chocolate em pó, reproduzindo um coração. Por algum tempo, senti o gostinho da felicidade em seu estado mais elevado.


Luciana me chamou ao celular. Os planos do grupo, então no centro da cidade, foram mudados. Haveria almoço em casa. Ela aproveitou para, sem querer, alterar a qualidade do meu domingo.

- A fábrica mandou mensagem, amanhã você entra as oito – disse.


- Amanhã?! Amanhã é meu dia off – eu disse.

- Não, o seu dia off foi sábado e está sendo hoje. Amanhã tem trabalho – respondeu ela.


Respirei fundo. Novamente a fábrica me chamava. Tudo aquilo era estranho. Afinal, no sábado fui dispensado, sem qualquer proposta de trocarmos a segunda-feira pelo sábado. Não existia nada de off nessa história.


Voltei para casa. Tchaikovsky mostrou-me o que fez de melhor. Bethânia também cantou. O sol estava meio amarelo. A cabeça queria descansar. Consegui falar com Angelina, uma conversa muito gostosa, como de costume. Fernando e Luciana decidiram:


- Amanhã, fique em casa, durma até mais tarde, descanse – disseram.


Dormi em paz.

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