■ Uma descoberta feliz, buscando o coração das coisas
- Rubens Marchioni
- 27 de ago. de 2019
- 2 min de leitura
EU SOU UM garimpeiro. Garimpeiro por natureza. Em todo o tempo, visto os trajes adequados e saio em busca das pedras preciosas que se escondem em algum lugar. Um dia, nessa jornada, me embrenhei pelas prateleiras da Editora Contexto. Lá, entrei no livro O coração das coisas, escrito pelo competente historiador Leandro Karnal.
Inesperadamente, ele me entrega o que é motivo de encantamento para quem persegue formas muito bem elaboradas de construir textos com palavras bem escolhidas. Karnal se revela um artesão, e sua carpintaria atinge níveis muito elevados de beleza e harmonia. Por exemplo, logo no início da obra, encontro uma aula sobre criar e escrever. Imediatamente, me tornei seu aluno.
“A natureza do gênero crônica e a minha formação alargam os dois primeiros setores. Tenho um olhar atento para o cotidiano e a experiência nasce da rua. Observo uma cena na fila do aeroporto, um pequeno ato na rua, uma situação hilária ou triste: a escrita é o estuário de muitos pequenos filetes d’água. O ato individual remete a alguma leitura, vivência anterior ou devaneio que busca amparo bibliográfico e conceitual. Ver o todo pela parte e adensar coisas passageiras em seu sentido maior: eis minha maneira de encarar o coração de tudo.
Com talento menor sigo o modelo de Michel de Montaigne. O modelo dos ensaios do francês sempre foi poderoso para minha busca. O filósofo se junta a Shakespeare, à Bíblia e aos acontecimentos históricos como as peças centrais da canastra da qual extraio das ideias.
Escrever é uma ourivesaria meticulosa e algo obsessivo. No avião ou nas minhas alvoradas produtivas, vejo a tela e suponho um tema e um caminho mental para desenvolvê-lo. Tudo transcorre em silêncio abissal. De repente, na rua ou por mensagem eletrônica, surge a personagem central: o leitor. É um dos momentos bons da existência: você se comunica com alguém que não conhece pessoalmente. Escrita é ponte e lente. Une pessoas e traduz visões. A ideia sai de mim, cresce, voa, encontra outra consciência e é refeita e ressignificada. A compreensão varia entre o autor e o leitor, mas ela não pertence, a rigor, a nenhum dos dois. Esse é o ponto mais interessante da produção cultural.
[...] É sempre preciso ter esperança, muita paciência, humildade e tentar, de vez em quando, ouvir o bater do coração das coisas. Esse tem sido o meu desafio.”
Um texto primorosamente construído. Eu gostaria de ter feito isso. Com a mesma forma e conteúdo. Mas um garimpeiro nunca desiste antes de encontrar o seu tesouro. ₪
RUBENS MARCHIONI é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Autor dos livros Criatividade e redação, A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao
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