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■ Um abraço

  • Foto do escritor: Rubens Marchioni
    Rubens Marchioni
  • 24 de jun. de 2015
  • 2 min de leitura

Naquela tarde de domingo, quando Heloísa tomou o metrô com destino ao espaço público, onde veria seu cantor preferido brandindo voz e violão em letras e melodias inquestionáveis, não sabia o que esperava por ela. O show teve início no horário combinado. O público, aparentemente pacato, tinha determinação. Aquelas milhares de pessoas haviam assumido, consigo mesmas, o compromisso de não perder um take, um quadro sequer. Estavam numa praça, um local que em nada lembrava cadeiras numeradas, ar condicionado, galeria ou coisa assim. Certamente, o Theatro Mvnicipal não era ali. O melhor ângulo? Nenhum deles, que além de tudo eram escassos. Mas isso lhes era secundário, um detalhe perdido na multidão e no calor do fim de tarde.  

O que se viu, em pouco tempo, foi um show à parte. Seu tema predominante era o clássico salve-se-quem-puder, um tanto destoante. “Ninguém mandou você ter menos de um metro e noventa de altura e ainda por cima respirar o mesmo ar que eu respiro”.

Heloísa tomou uma decisão: iria embora. Feitos todos os cálculos, o preço de ficar em pé durante duas horas, espiando um vulto num palco longínquo, enquanto era espremida, estava pela hora da morte. Super inflacionado. O esforço não se justificava. Ela queria apenas um pouco de lazer, alguma canção, o que lhe parecia justo após uma semana de política conturbada, prisões de empreiteiros, desemprego crescente, bispos sob a mira do Código de Direito Canônico e um frio incômodo.

Tomou coragem e se preparou para deixar aquele ambiente massacrante – outros tantos fizeram o mesmo. Foi empurrada. Um jovem, olhos de um vermelho cannabis e distantes, sugeriu-lhe um “Peace and Love”. Heloísa empurrou para sobreviver. Um menino, cuja mão de obra era explorada, surgiu em seu caminho – ele, uma enorme caixa de isopor e um carrinho desses que trafegam pelos espaços de uma feira livre. Seus instrumentos de trabalho foram guinchados por algumas almas generosas, movidas pelo amor e a serviço da paz.  Até que enfim ela se livrou daquele suplício. Finda a dura travessia e muito frustrada, todos os músculos lhe doíam, e sua voz ficara pequena, lembrando-lhe a batalha de minutos atrás. Enquanto isso, todos dançaram, num abraço no mínimo perigoso. No dia seguinte, a mídia mostrou o fragmento de um violão. The End e até o ano que vem. ₪

 
 
 

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