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■ Solidão: conhecer para enfrentar e vencer

  • Foto do escritor: Rubens Marchioni
    Rubens Marchioni
  • 15 de fev. de 2019
  • 4 min de leitura

A SOLIDÃO NÃO é do bem. Ou é. Trata-se de uma condição interior exclusiva do bicho homem – nunca soube de um elefante que tenha se sentido solitário. É quando o ser humano experimenta a sensação de carência absoluta. Para alguns religiosos, isso é sintomático: existiria aí uma desconexão evidente com o Sagrado, sinônimo de Eu Superior, impedindo o carregamento da bateria interior. Pode ser.

O processo se verifica hoje, mais do que ontem. Porque a conquista da independência e consequente liberdade financeira levou muita gente a preferir a vida solitária. Tem quem goste. São pessoas que convivem confortavelmente com essa condição existencial. Sem trauma ou qualquer sensação de que foram excluídas ou se exilaram da vida social, apenas manifestam assim a sua independência. E não são poucos os que se beneficiam desse estilo de vida, impensável para tantos. Henri Larcordaire, por exemplo, não se enganava ao dizer que ‘É a solidão que inspira os poetas, cria os artistas e anima o gênio’. Basta ver a afirmação de Einstein, comprovando a tese, ao relatar que ‘Vivi em solidão no campo e percebi como a monotonia de uma cidade tranquila estimula a mente criativa’. Aristóteles discorda. Para ele, ‘Quem encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus’. Pontos de vista solitários, nada mais.

Dito isso, conclui-se que a ideia de solidão como marginalização social, como nos é apresentada sociologicamente, passando pela exclusão do indivíduo da sociedade convencional, às vezes por inadaptação, vai continuar sozinha, sem a minha adesão. E isso não anula o fato de que a solidão é um estado inato do homem, conforme sugeriu o filósofo alemão Martin Heidegger. Segundo ele, cada ser está por si só no mundo. O indivíduo nasce e morre sozinho, e nesse intervalo vive igualmente suas experiências pessoais, ainda que cercado por multidões. Afinal, ninguém viverá por ele as suas experiências. Atravessar o Mar Vermelho, caminhar com disciplina pelo deserto e possuir a Terra Prometida são etapas de uma jornada individual e intransferível. A questão é inegociável.

Às vezes, a experiência de solidão nasce da incapacidade das pessoas de se voltarem para si mesmas. Distanciadas da sua essência, passam a procurar no outro o que deveriam encontrar dentro de si. Não raro, isso gera frustração. É quando já não existe mais o contato com a sua essência. Por não se conhecer e se abastecer de si mesmo, através de uma autopercepção renovada, é preciso sair em busca de si, projeto que merece prioridade. Aqui estamos falando do desafio de mergulhar no processo de autoconhecimento. Clarice Lispector fez esta viagem e relata o que encontrou: ‘Minha força está na solidão. / Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite’.

Seja ela do bem ou do mal, existe solidão e solidão. Estar sozinho não significa, necessariamente, não contar com a presença de outra pessoa. O sentimento pode ser apenas a tradução de que, embora rodeado de gente, experimenta-se a sensação de que vive em outro mundo, um espaço que não consegue dividir. ‘Minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência de pessoas… / Detesto quem me rouba a solidão, sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia… ’, disse Friedrich Nietzsche.

Existe uma solidão objetiva, aquela em que o outro deixou de estar presente, não por escolha pessoal, mas por ter sido isolado, podendo ser resgatado, no entanto. No mais das vezes, ela é fruto de uma escolha pessoal, que precisa ser revista. Quando tudo isso começou? Por que e para que aconteceu esta opção que agora não serve? Para virar o jogo, a sugestão é buscar novos círculos de amizade, espaços para compartilhar ideias.

Rupturas, separações, tudo leva à sensação de perda e, consequentemente, à solidão. Do ponto de vista das consequências, ela pode provocar sentimentos negativos. Um deles, a angústia, emoção perturbadora que nasce da consciência da morte, do fim do desejo de sonhar e realizar. De maneira idêntica, quando a solidão se transforma em depressão, ela traz consigo o característico sentimento de tristeza profunda, apatia, desinteresse pela vida. E tende a levar ao enclausuramento, isto é, à solidão autoimposta, que não é fruto de escolha e, por isso mesmo, não pode fazer bem. Nesse caso, é preciso estar atento às diferentes formas como isso interfere negativamente em nossa vida.

De maneira idêntica, não compartilhar os diferentes momentos e experiências com as pessoas do seu convívio contribui muito para agravar esse quadro. A resposta para o problema pode estar na ampliação do próprio círculo de amizades.

Portanto, diante de todos esses desafios, o ser humano deve adquirir habilidades para viver só, descobrindo em si mesmo uma excelente companhia. É indispensável aceitar esse estado natural. Não adianta fazer de conta que essa realidade não existe. Assim como não resolve nada jogar o peso da solidão sobre os ombros do outro, seja ele quem for, esperando que supere todas as suas carências.

Por fim, cada um enfrenta sua solidão de forma diferente, particular. Eis por que os distúrbios psíquicos não afetam a todos igualmente. Enquanto algumas pessoas aceitam sua condição e enxergam aí novas possibilidades de serem independentes, outras experimentam o desamparo, culpam a Deus e à humanidade por se sentirem sós. Ficam paralisadas ou buscam no outro aquilo que deveriam encontrar em si mesmas, sacrificando ainda mais os relacionamentos.

Sem conhecer as regras desse jogo, o resultado será uma série de derrotas inevitáveis. Felizmente, não estamos condenados a permanecer nesse mundo obscuro. Viva a liberdade.

 
 
 

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