Em geral, as empresas se empenham para que a sua força de trabalho se renove constantemente. Essa cultura foi importada à revelia, e estabelecida em terras brasileiras, em tempos de globalização exagerada. Ela veio com a força suficiente para produzir umas poucas soluções e um grande número de problemas.
Por parte dos colaboradores, o processo informação-conhecimento-habilidade-sabedoria é abortado sumariamente. A causa: falta de tempo para o seu desenvolvimento e maturação. As provas estão por aí.
Quanto à empresa que vê com desconfiança o funcionário estável, ela cava para si mesma o buraco da dificuldade de retenção de talentos. E depois investe muito dinheiro em programas para resolver esse problema, que só faz se aprofundar. Isso tem algum traço visível de coerência e equilíbrio?
Pudera, quando o profissional começa a ter domínio sobre os conhecimentos e habilidades adquiridos e a trabalhar com mais segurança e poder criar, tudo muda para ele. Certo paradigma burro o convida a retirar-se. Então ele vai embora. Sempre levando toda a sua bagagem para outra companhia. Esse conteúdo é incorporado por ela, a fim de se tornar ainda mais competitiva no mesmo segmento. Evidente. Quem compra o passe de um atleta assume, por direito, a posse da técnica que ele desenvolveu para fazer gols com mais destreza que o adversário. “Entregue-nos o que você aprendeu na concorrência, teremos prazer em usar.”
A propósito disso, lembro-me do depoimento que ouvi pouco depois da conclusão do curso de Teologia. Ele veio de um professor cujas aulas, a exemplo de certas produções da melhor gastronomia, mereciam ser assistidas de joelho, tamanha a riqueza do conteúdo apresentado. Aquele padre era um exegeta de primeiríssima linha. Autor de grande produção bibliográfica, trazia também em seu currículo a participação expressiva em um projeto editorial arrojado: a tradução da Bíblia de Jerusalém, referência no assunto. Um trabalho feito por uma equipe de peritos pra lá de qualificados, sob a supervisão da competente Ècole Biblique de Jerusalém. Desafio para poucos.
Sua formação acadêmica e experiência prática? Comecemos pelos quatro anos, no então chamado primeiro grau e mais três no segundo, já no seminário. Com um diferencial: esse trajeto escolar foi percorrido em meio a todo o rigor e profundidade, que caracterizam as salas de aula e bibliotecas da sisuda Igreja Católica Apostólica Romana. [Para quem não sabe, os estudos feitos no seminário não são reconhecidos pelo MEC. Explica-se: a adequação ao Ministério implicaria em nivelar por baixo a profundidade de todo o conteúdo].
Depois, o futuro padre frequentou mais três anos de estudos de Filosofia. Filosofia pura. Sem essa de incluir o nome no trabalho feito pelo colega. Novamente, obteve as melhores notas. Mais do que inteligência, ele dispunha, a seu favor, do tempo indispensável para o devido aprofundamento teórico e prático. Aula no período da manhã, com estudo e trabalho pastoral à tarde e à noite.
A penúltima etapa foi o curso de Teologia. Quatro anos de estudos, sempre em tempo integral. Pronto, o então padre já estava devidamente preparado para o novo salto: uma viagem de estudos na Itália, mais precisamente no centenário Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Foram mais cinco anos de estudos. Estudos e o convívio com grandes mestres das Sagradas Escrituras. Especialistas em diferentes áreas do conhecimento, eles chegavam de todas as partes do mundo, trazendo currículos recheados. Gente de peso. Além da troca de experiências, permitida pela diversidade cultural de alunos e professores. Algo enriquecedor.
Por fim, o homem que depois se tornaria meu professor, retornou ao Brasil. Foi direto para a universidade. Lá, ele participaria da formação de novos clérigos. Brilhou novamente. Era dos melhores. Perder suas aulas? Somente na hipótese do falecimento da própria mãe.
Um dia, cinco anos após o início do trabalho como professor, confidenciou-me: “Sabe, depois de tudo o que estudei, de permanecer cinco anos em Roma, em tempo integral, com os maiores nomes da exegese bíblica, e passar mais cinco em sala de aula e escrevendo, finalmente estou começando a ‘amarrar’ todos aqueles conceitos; estou chegando a uma síntese”. Ele falava sobre estar chegando à essência de toda a sua formação. Coisa de gente muito bem preparada.
Isso só foi possível porque ele não vivia por aí carregando na testa uma inscrição com o seu prazo de validade intelectual e profissional. O tempo precisa de tempo para trabalhar e aprimorar.
Pergunta-se: como esperar algo semelhante por parte de um jovem que frequenta, às vezes precariamente, à noite, uma faculdade que nem sempre é de primeira linha? Alguém que, além disso, também trabalha preocupado em encontrar uma nova colocação; como se mudar de emprego constantemente e viver sob o domínio da instabilidade fosse o grande projeto de vida do ser humano. Mais ainda: se pouco tempo depois de colocar os pés na prática, cenário para a tradução e consolidação do que aprendeu, esse profissional recém-chegado recebe o convite para mudar de trabalho, de empresa. Tudo para satisfazer essa parte do mercado ansioso por vê-lo dinâmico, sempre em busca de novos desafios, que nem sempre foram escolhidos por ele. A quem isso interessa? Frustrado, procuro sinais de inteligência nesse comportamento míope.
Mudando de área e permanecendo no mesmo raciocínio: a persistirem os sintomas, em pouco tempo deixaremos de ouvir a informação, segundo a qual Giordanos e Amábiles vão celebrar bodas de prata na condição de casados. Ficar mais de dez anos com a mesma pessoa? Fidelidade e compromisso para a criação e manutenção de algo consistente? Tudo será visto como uma prova contundente de conformismo e acomodação. Bodas de ouro? Crime hediondo, cometido por gente burra e sem iniciativa.
Complicado, isso. Muito complicado. E preocupante. ₪
Comments