De repente, paco era visto calçando alpargatas. Mas, de repente, aparecia na escola dentro de umas botinas cansadas de tanto buraco. Presa ao ombro, uma bolsa de lona surrada e herdada de um amigo de escola. Vestindo uma camiseta de antigamente, um macacão de jeans e mostrando um corpo meio desengonçado, Paco era um adolescente como outros. Seus cabelos compridos e mal cuidados completavam o figurino que falava de rebeldia.
No palco onde encenava uma vida imprevisível, recheada de conflitos com seus próprios demônios, o sino da igreja matriz era ouvido até os extremos da cidade. Bem no centro, Paco trabalhava num enfadonho escritório de contabilidade.
Seus dias eram feitos em colunas – Débito, Crédito e Saldo –, além de algumas siglas alienígenas que compunham aquele cenário nefasto.
Era final de inverno. Na Escola de Comércio, Paco se preparava para a Festa da Independência, sempre com traços militares e palavras escolhidas com rigor, cumprindo à risca o figurino imposto pela ditadura.
Agia de maneira ambígua e enigmática no momento em que um professor falou com ele sobre o relacionamento quase fácil com os colegas, mas tumultuado com os números e as fórmulas propostas pelas ciências exatas.
– Qual é o seu problema? – disse o professor de Matemática, atrás de seus óculos feitos de aro preto e grosso.
– Eu não gosto da vida que eu levo – respondeu Paco, com uma firmeza vacilante.
– E como é a vida que você leva?
A campainha chamando para o segundo tempo interrompeu a conversa, e cada um seguiu em direções opostas. A próxima aula seria de Química. A ansiedade só fazia aumentar. Ele sabia que outra vez seria alvo de dez novas questões preparadas para bombardear e anexar seu território.
Dia após dia, no seu horizonte as possibilidades de união entre o céu dos seus pensamentos e a terra da sua realidade era limitada. Quando olhava adiante, seus olhos batiam de frente com uma grande muralha construída com cimento e aço.
A seu modo, o jovem questionava esse processo a respeito do qual não dispunha de todo conhecimento. Fosse de outra maneira, certamente interviria para mudar o roteiro, porque sabia que ainda não inventaram nada melhor do que o fundo da lata de lixo para dar um sumiço em todo esse lixo tóxico.
No dia seguinte, o professor o avisou que desejava continuar a conversa interrompida.
– Paco, você disse que não gosta do jeito como vive.
– Trabalho, escola, eu não gosto de nada disso. É tudo um saco! – respondeu o garoto.
– Alguma ideia de como resolver isso?
– Sim. Mas eu não tenho idade pra viajar – respondeu Paco – esfregando os olhos receosos.
– Viajar? Pra onde? – perguntou o professor.
– Queria morar em outra cidade, sabe? Tocar minha vida do meu jeito – respondeu ele.
– Do seu jeito? E qual é o seu jeito? – perguntou o professor.
– Eu quero estudar Comunicação, entende? É disso que eu gosto.
– E o que te impede? – perguntou o professor, muito calmo.
– Meus pais não me deixam sair de casa. Droga! – respondeu.
– Bem, Paco, eu preciso ir. Podemos retomar essa conversa? – disse o professor, deixando a cadeira.
– Sim, podemos – ele disse, despedindo-se.
Queria bater asas num voo de transformação, deixando o casulo pelo caminho para ser esmagado. Havia nele um pouco do espírito que corre pelos troncos e flores do narciso, exalando certa dose de egoísmo, vaidade, misturado com a devida formalidade até nas coisas mais simples.
Paco visualizava uma solução para esse drama. No entanto, primeiro teria de conseguir o aval dos pais. Em seguida, deixaria seu mundo comum, feito do aconchego da família e dos amigos, e se mudaria para outra cidade. Ali, ele iria conviver com o bônus de ampliar as possibilidades de trabalho e o ônus a ser pago por uma vida solitária e sem a infraestrutura indispensável para os primeiros saltos.
Enquanto convivia com a ideia desse projeto inviável, o desafio de um trabalho literário o provocou a viver uma nova experiência. Mesmo sem o espaço do costumeiro “tema livre”, Paco teve de conceber e redigir um trabalho sobre um assunto a respeito do qual sabia pouco ou quase nada.
Mas, ao contrário do que acontecera alguns meses depois, agora já não se tratava de obter aprovação para um artigo, vinda diretamente do proprietário do jornal, em decisão monocrática e com resquícios de paternidade profissional. As regras do jogo eram outras. Paco seria avaliado por uma banca examinadora. Sem contar que ele não era o único em busca de uma classificação honrosa. Seus pontos fortes e fracos, naquele cenário de guerra, tudo seria devidamente testado. E sempre existia o risco de fracasso. Ali, não haveria uma segunda chance. Era vencer ou vencer. E o sumo da sua vida estava na ideia de conquista. Porque da conquista viria o reconhecimento desejado, a felicidade sonhada, em diálogo com seus objetivos profissionais.
Paco agia movido também pela admiração a alguns ídolos, dentre eles o escritor americano Ernest Hemingway e o brasileiro Fernando Sabino.
Por um instante, ele considerou a hipótese de deixar tudo pra lá. No entanto, se existiam os meios para a realização do sonho – pensava -, por que negligenciar a oportunidade?
Existia a possibilidade de não obter a premiação, mas ele não abriria as portas para que essa chance batesse asas e ganhasse o espaço com tamanha facilidade, restando-lhe apenas a culpa por ter deixado passar uma grande oportunidade de se lançar no espaço literário.
Não. Recusar, recuar, isso não. De um jeito ou de outro, vitorioso ou não, na primeira tentativa, ele seguiria em frente. Seguiu e foi premiado. E seguiu sempre.
Escrevendo e ensinando, transformou em realidade os sonhos de adolescente. Realizou-se. ≡
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