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Foto do escritorRubens Marchioni

■ Reza e trabalha

O espremedor de laranja ainda estava dentro da pia, escondido entre tantos utensílios por lavar. Sabe-se Deus o que mais ele havia espremido. Talvez algum sentimento pouco cristão, que depois havia passado pelo liquidificador interno, cuja hélice girava muito devagar e não triturava mágoas indigestas, acumuladas enquanto criavam limo.


Naquele dia, parte do mosteiro não seguia a sua rotina de trabalho. O slogan, ou convocação para a oração seguida de trabalho não se tornava uma prática regular na rotina dos monges. Pouca oração, pouco trabalho, sem contar a conversa além do recomendado para o ambiente monástico.


Dentro do pátio interno, num jardim ainda bem cuidado e pronto para acolher monges cansados, em busca de ar fresco, havia um pessegueiro que parecia habitar aquela terra desde o tempo de Noé.


Alguns monges estavam ali apenas em silêncio; outros, como Ernesto e George, esbanjavam o vocabulário teológico para falar das mazelas palacianas, disputando o mesmo espaço de um jeito nem sempre democrático. O sentimento de posse costumava abafar a recomendação de evitar egoísmo e de compartilhar todas as coisas com o próximo. Afora isso, aqueles homens que um dia optaram por se dedicarem ao trabalho e à oração defendiam a ideia de que “O próximo mais próximo de mim sou eu; portanto...” – pensavam. E isso justificava tudo.


O vento de agosto soprava forte, e parecia ter assumido a missão de colocar por terra até as estruturas feitas para durar. O pessegueiro, carregado, com frutos protegidos individualmente do ataque de insetos intrusos, dançou a dança do vento e errou alguns passos. Sem critério, atirou no chão vários pêssegos maduros.


No cemitério interno, última residência dos habitantes do mosteiro, os túmulos se fizeram de mortos para tamanha agitação. Não quiseram se envolver.


Na saída rumo ao interior do mosteiro, o monge Ernesto, corpo volumoso, esmagou um caramujo, tirando a vida lenta de uma lesma. Descuidada, ela passeava por aí, carregando a casa nas costas, talvez para evitar assalto, enquanto se dedicava ao trabalho de andar sem rendimento e longe de qualquer ideia de piedade monástica.


O rosto rechonchudo do monge Juvenal ficou vermelho quando ele olhou para o chão e viu de perto o desastre – um ser indefeso havia sido massacrado sob a grossa sandália confeccionada com couro e pneu, símbolo máximo de despojamento dentro do possível. Tomado por um espírito budista, julgou um absurdo o que havia acontecido, não se sabe se por descuido – a perícia há de revelar a verdadeira causa. Juvenal tinha ouvido de uma monja que se deve proteger toda forma de vida, e toda forma de vida é toda forma de vida, até mesmo... – é bom que se diga, antes que alguém tente condenar sabe-se Deus o quê.


Na cozinha, o monge Ernesto teve o impulso de preparar um prato de alcachofra para os confrades. Mas foi só uma força a serviço do bem estar próprio, sem se preocupar muito com o paladar de seus irmãos de vida e oração. Não prestou muita atenção ao que fazia e isso não deu certo – “Pai, perdoa-lhe, ele não sabe o que faz”, propõe o Evangelho.


O monge descuidado serviu a salada. Anunciou que ali havia, além da alcachofra, alface crespa, alface americana, tomate cereja, palmito pequeno, manga, azeitona, sal, azeite, orégano e limão. Uma salada completa, com tantos ingredientes, arrancou da garganta dos monges um solene “Amém”, no melhor estilo gregoriano. Só não se sabe se havia nisso alguma coisa além de humor. Louvada seja a salada tropical, que ganhou até uma porção de alcachofra para ver como ficaria.


Distraído, ainda na cozinha, Ernesto deixou um pouco de vinho cair na travessa escalada para exibir a iguaria. Manteve o silêncio e abafou o caso. Agiu como se nada tivesse acontecido.


George, um monge com idade e experiência suficientes para ser alçado ao posto de abade, retirou-se do refeitório. Não entendeu como, naquela altura da sua vida, ninguém respeitava seus oitenta e muitos anos e se recolheu para o seu quarto.


O abade o seguiu, cheio de cuidado. Pediu para que Ernesto interrompesse a própria refeição e fosse imediatamente para a cozinha providenciar outra para os dois. Almoçariam juntos, ali mesmo no quarto do monge indignado.


O novo prato foi devidamente preparado. Mas houve um erro: a refeição teve como ingredientes principais duas generosas porções de beterraba e cenoura cozida, exatamente aqueles que o abade se recusava a comer desde a sua infância, depois de inúmeras vezes ter de engolir o choro e se mostrar agradecido pela refeição diante dos pais e dois irmãos mais velhos na residência mais católica que o papa.


Jejum.


Convivendo com o peso da culpa, naquele dia, o monge Ernesto foi advertido e assentiu de maneira automática com a cabeça. O monge foi escalado para abrir mão do almoço comunitário durante uma semana, permanecendo em pé no refeitório e lendo, para os outros, alguns trechos sagrados escritos em latim.


Ernesto rezou e trabalhou muito. Os outros monges tremeram. Na missa, às 19 horas, celebrada na capela interna, o abade pregou sobre temas como descuido e egoísmo. Todos entenderam o recado proposto pelo superior. “O egoísmo forja o cristão descuidado” – insistiu. Nenhum recado poderia ser mais claro, a mensagem tinha destino certo.


Terminada a liturgia dominical, os monges apenas voltaram em silêncio para os respectivos quartos. E em silêncio ficaram. Aquela foi uma noite de vigília individual, cada um no seu quadrado. Acordaram de mau humor. Tomaram café em latim e cuidaram da vida pessoal e coletiva.


Protegeram até mesmo alguma lesma distraída, metáfora perfeita para a vida monástica daquele dia.

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