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Foto do escritorRubens Marchioni

■ Resistir e resistir

Plantada na entrada da fábrica onde Joseph trabalhava, havia uma empresa de segurança privada fazendo plantão. Nem toda a parafernália tecnológica e humana bastava quando se pretendia criar constrangimento, enquanto acobertava pequenos ladrões de sapatos, celulares, refeições, dinheiro – esqueci alguma coisa?

Joseph, um professor com 59 anos, ganhava apenas para trabalhar. O custo de administrar esses pequenos bens, para que não fossem roubados, nunca foi coberto. Verdade é que ele não tinha qualquer segurança de que os encontraria onde os deixou quando da sua chegada ou após o intervalo de meia hora para o almoço.

Quando chegavam, os funcionários eram obrigados a mostrar tudo o que tinham no bolso e na bolsa. O procedimento era seguido pela assinatura de uma folha cuja utilidade desconhecia. A empresa afixou um aviso informando-os de que se reservava essa prerrogativa. Diante de uma lei soberana, redigida em outro idioma, os imigrantes não tinham direito a apelação. Qualquer que fosse a maneira como o documento assinado seria utilizado, tudo não passava de uma grande perda de tempo. Afinal, até mesmo os ladrões internos, de quinta categoria, sabiam como se esconder atrás dele.

Apenas para se ter uma ideia, um dia, já dentro de uma das Unidades, Joseph foi revistado, braços abertos em cruz, por um sujeito mal encarado e seu valente detector de metais. Um procedimento extremamente invasivo para um local que exibia os surrados quadros Missão, Visão e Valores e desejava ser visto como empresa. Ao contrário, tudo acontecia exatamente como nos piores sistemas totalitários, onde todos são suspeitos até prova em contrário, talvez nem isso.

“O que você está fazendo com esse chaveiro no bolso?”, perguntou o indiscreto e burro equipamento de última geração, apitando, luz vermelha piscando, cheio de si. Joseph estava inerte, junto a uma parede da Unidade onde naquele dia prestaria serviços como se fosse a pena imposta por algum delito que não cometera – ele acreditou que em outro país teria melhor sorte. Ali, Joseph costurava retalhos de experiências anteriores e daquelas que vivia naquele momento, compondo uma figura desoladora.

Mas isso não o impediu de pensar numa resposta que lhe parecia a mais precisa para aquele momento de invasão à sua privacidade. “Sabe, senhor Detector, ele está aqui para abrir a porta da casa da sua mãe” – pensou, apenas pensou, e depois riu de si mesmo pela ideia que teve. Paciência tem limites. “Era só o que me faltava”, Joseph refletiu.

A ansiedade do detector de metais que vasculhava o corpo de Joseph à procura de algo suspeito não se baseava em nada parecido com um defeito de caráter – ele era pau-mandado.

Mas Joseph fazia o possível para não se entregar; recorria a recursos da arte cênica a serviço do silêncio que o protegeria. Ao contrário. Tirava algum proveito da situação para divertir-se. Não que aquilo, em si mesmo, fosse engraçado. Era ridículo. Mas ele precisava não enlouquecer. E a saída encontrada foi essa: brincar com aqueles comportamentos que em nada mereciam respeito. Por isso divertia-se o quanto possível com a estupidez que o cercava e era feita na medida exata para forjar loucos em médio prazo. [Médio, não, curto].

Mas Joseph não desistia de avançar. Prova disso é que um dia foi amigavelmente advertido por uma compatriota para não fazer tanto quanto fazia, enquanto outras pessoas seguiam em “slow motion”, tagarelando, rindo, descansando, dançando lentamente a música da sua preguiça disfarçada. Isso, para Joseph, foi um elogio. Sua estratégia? Ignorar o vai e vêm aloprado do chefe da linha, seus gritos, seus gestos espalhafatosos, o número incontável de vezes em que contava seus comandados, e apenas fazer o que devia ser feito: trabalhar.

Joseph gostava de sentir o prazer de fazer bem feito. No caso da fábrica, esse propósito era ainda maior. Porque assim ele se defendia. Assim neutralizava a bestialidade do comportamento daqueles supervisores, capazes de transformar em cinza qualquer possibilidade de entusiasmo e otimismo. Joseph acalentava por eles e por seus métodos de liderança o mesmo respeito que dedicava a um rato, porque este, sim, só consegue agir por instinto.

Por algum tempo, curto, até enxergou aquele lugar como se fosse uma empresa qualquer, para neutralizar seu peso e sua força esmagadora. Mas ele não dormia no ponto. Sabia bem com que sistema estava lidando – se comia o peixe, procurava ao menos não engasgar com a espinha.

Queria mesmo gostar de lá, seu coração até buscou o caminho que o levaria a esse objetivo. No entanto, sinceramente, a empresa não ajudava em nada, nem a ter alguma simpatia por ela.

Por causa disso, esforçava-se apenas por ele e para não dar-lhes o gostinho de aporrinhar o “raio do saco”, que já andava bem cheio. Joseph entrava em silêncio. Trabalhava em silêncio. Saía em silêncio. No mais, e porque era inteligente, cumpria rigorosamente todos os preceitos. Quem convivia com ele sabia que mensagem passava ao grupo ao se comportar assim: “Quero distância dessa gente.”

Embora sendo rigorosamente a favor do asseio, Joseph era levado por outro motivo a usar religiosamente um par de luvas: suas mãos não deviam cheirar a empresa. Elas não pertenciam àquele mundo. Higiene externa à parte, ele mantinha intacta sua rejeição completa à ideia de ingerir algum alimento produzido lá dentro para não tornar impuro o próprio estômago. Essa concessão representaria uma intimidade pouco saudável.

De lá lhe interessava apenas o pouco dinheiro que recebia. Interessava-lhe a ótima qualidade de vida numa cidade bonita, tranquila e arborizada, prato cheio para compositores e cantores de ruas e praças gratuitas. Um local onde os serviços funcionavam. O que significava um ganho enorme.

Por fim, interessava-lhe o fortalecimento dos músculos internos, nesse verdadeiro curso de aperfeiçoamento para o escritor que nunca se apagou. Eis o que ele queria. Só isso. Tudo isso.

De um limão, um belo copo de limonada – êita jargão insistente nesse nosso tempo! Quem sabe da próxima vez eu consiga fugir. E vou fugir como o diabo foge da cruz – caí de novo.

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