“Bem, agora sai de cena o futuro padre; no lugar, entra o atual marido e pai” – pensou Cristiano, um jovem teólogo que até outro dia estivera ligado à instituição eclesial – era diácono.
Sua busca por um trabalho profissional parecia chegar ao fim. Era preciso manter a vida, sua e de sua família em início de carreira.
- Nós somos um sindicato patronal. Estamos contratando um Redator para assumir nossa comunicação – disse o gerente encarregado de preencher uma vaga recente.
O cenário se tornava palco de um paradoxo inevitável. De um lado, o teólogo engajado na luta em favor do empregado, com uma longa experiência falando e escrevendo para este público. Do outro, as exigências de produzir a melhor comunicação, agora num órgão que representava abertamente os interesses patronais.
Cristiano fez ginástica mental. Improvisou uma coreografia. Investiu no esforço de mostrar que até mesmo o que era uma torção no pé fosse vista como a exibição calculada de um número inédito, trazido de países capitalistas, quando da sua última excursão como dançarino e estudioso da arte de dançar.
Num primeiro momento, sua rapidez na maneira de organizar e reorganizar ideias agradou o futuro empregador. Mas o gerente atentou apenas para o quesito habilidade do candidato no uso das palavras. Não percebeu que se tratava também de um estrategista em ação, defendendo, naquele dia, o pão nosso de todos os dias. Era preciso manter a vida, sua e de sua família em início de carreira.
A conversa prometia. Tudo bem que faltava para Cristiano experiência no dialeto desse segmento. Do início ao fim, ele nada sabia sobre o mundo corporativo e institucional. Mas isso teria solução fácil. “Afinal”, pensou, “ninguém nasce sabendo”. Tudo indicava, portanto, que ele seria contratado. E foi.
Cristiano assumiu o trabalho com a determinação necessária para produzir os melhores textos, criar raízes, encontrar realização pessoal e sustento familiar. Naquele teatro de horário comercial, ele representaria o fiel defensor da ideologia patronal, consciente de que era preciso consertar o avião com a aeronave em pleno voo. Encerrado o expediente, seria apenas ele mesmo, construindo pontes para chegar à outra condição de trabalho.
Caminhando todo santo dia sobre os perigos oferecidos por uma corda, que ficava muitos metros acima do chão, Cristiano exercia sua tarefa de redigir mensagens por vezes com intenção duvidosa, exigência do cargo. Palavra por palavra escrita, ele fazia cada novo texto com o uso restrito de técnicas e sem qualquer envolvimento pessoal e ideológico.
Representou. Mas chegou o dia em que seu passado veio à tona. Foi quando, numa conversa de final de expediente, respondendo a um conjunto de perguntas que pareciam orquestradas, relatou o fato de ter sido seminarista nos últimos oito anos. Com um agravante: confessou ter pertencido a uma arquidiocese tida como subversiva, comprometida com a classe trabalhadora. Comprometida com a classe trabalhadora e, por isso mesmo, rejeitada por todas as forças que representam o poder nas suas diferentes formas e expressões.
Não havia nada errado no fato de Cristiano ter convivido de maneira tão íntima com a instituição eclesial, relacionamento que, de qualquer forma, deixou marcas na sua maneira de pensar, sentir e agir. Mas o sindicato se encontrava blindado contra qualquer coisa que não repetisse cada palavra da sua cartilha. Ele era avesso à ideia de justiça social se isso comprometesse o seu status e ameaçasse a sua estrutura.
Verdade é que, feliz por desempenhar a contento sua tarefa, Cristiano revelou detalhes significativos de seu trajeto pessoal. Sentiu-se à vontade para pensar e dizer.
Naquela maratona de respostas, ele se permitiu o espaço para certa dose de espontaneidade, traço natural de todo ser humano nas suas relações interpessoais. Enganou-se, no entanto, por acreditar que seu trabalho seria avaliado apenas com base nos resultados práticos. Assim, disse o que pensou e produziu provas contra si mesmo, como no dialeto jurídico.
O sindicato desejava saber mais a seu respeito. E soube. No dia seguinte, no final do expediente, o chefe o convidou para uma visita à sua sala, queria ter com ele uma conversa ao pé do ouvido. “Entra e fecha a porta” - disse.
A porta se fechou. ≡
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