■ Posso contar um segredo?
- Rubens Marchioni
- 25 de abr. de 2017
- 2 min de leitura
Julio foi seminarista durante oito anos. De lá, saiu graduado em teologia, habilitado, portanto, para não incorrer com muita frequência em erros comuns.
Mas nem tudo o que se traz do seminário vale uma festa – deixemos de lado as exaltações descabidas. Seja como for, ele gosta de algo que aperfeiçoou: a convicção e a habilidade necessárias para guardar segredos. Assim, se numa conversa corriqueira alguém lhe diz algo como “Hoje, na hora do almoço, tomei um copo d’água, mas é segredo”, isso é o bastante para que aquela informação fique guardada, como se o interlocutor acabasse de revelar a autoria de um crime hediondo, quase um negócio escuso com uma Odebrechet.
Se algo deve ficar mantido em lugar rigorosamente secreto, é lá que vai ficar – Julio garante –, sem qualquer disposição para negociar, o que, por si só, caracterizaria um deslize imperdoável.
Por quanto tempo conseguimos guardar um segredo? E como reagiríamos frente a uma chantagem? Pressionados a revelar aquele fato, que de tão secreto Julio já se esqueceu, ocorrido durante um almoço, partiríamos para a delação se isso nos trouxesse alguma vantagem material, algum bem ou serviço, talvez? Ou, pior ainda, qual seria o nosso comportamento se flagrados numa cena cheia de amor e da mais pura sincronicidade como os intrépidos Robert e Francesca, de As pontes de Madison, e colocados diante do fantasma da extorsão? Esse monstro se alimenta do desejo de nos expulsar daquele pouco de paraíso a que nos permitimos, e de devolver-nos para a realidade cinza de um casamento em coma profundo, uma Venezuela doméstica.
A vida exige a eterna vigilância, e ela tem seu preço. Em todas as situações, a ética recomenda as perguntas cruciais que orientam a caminhada, sugeridas pelo filósofo Mário Sérgio Cortella: “posso? – quero? – devo?” A atitude requer inteligência e caráter, uma dobradinha que tem o poder de matar quando se ausenta da vida individual ou coletiva. ₪
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