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Foto do escritorRubens Marchioni

■ O melhor é o melhor

Também no ambiente escolar, às vezes coisas decisivas podem começar de maneira acidental.


Cursando Teologia, Gilberto viveu uma experiência que depois teria papel relevante em sua vida de redator profissional. Tudo começou com a entrega de trabalhos de rotina ao professor Luís Antonio, padre ainda jovem, formado em Roma e cheio de rigor no trato com ideias.


O aluno vinha de um histórico de produzir textos de ficção e outros, agora voltados para a espiritualidade, com predominância do aspecto subjetivo, embora calcados na doutrina cristã. Em sua história pregressa de convívio com as palavras, não criara qualquer intimidade com as regras acadêmicas, feitas de acordo com os padrões impostos pela comunidade científica. Isso lhe era desnecessário até então.


No entanto, chegou a hora de viver sua primeira experiência nessa área. E ele desejava corresponder às expectativas criadas pelo novo curso, de onde sairia tecnicamente preparado para se tornar padre, segundo os ritos da Igreja Romana.


Mas, com certa frequência, ao receber de volta seus trabalhos acadêmicos, corrigidos pelo professor Luís Antonio, leu observações e comentários sobre lacunas, assinaladas pelo mestre. Coisas como falta de informações; argumentos falhos, que careciam de consistência; falta de clareza e objetividade; falta de coesão...


Sem saber ao certo por que, o futuro teólogo começou a ter a sensação de que aquele professor havia descoberto o sabor de devolver seus trabalhos com o pedido para que o texto fosse refeito.


Quando, fora do campus, procurando uma saída para o conflito, tomou conhecimento da filosofia de trabalho adotada pelo diretor Walter Clark, “O melhor é o melhor”, pensou “Esse é o melhor caminho”. E tratou de segui-lo por essa estrada que não termina jamais. Desde então, o desejo de fazer o que estava acima da média permearia tudo o que viesse pela frente. No mínimo, Gilberto se esforçaria ao máximo para obter o melhor resultado.


Em silêncio discreto, aqueles comentários, escritos pelo professor, sabiam como levá-lo a experimentar uma breve sensação de fracasso, levemente misturada com irritação, intensa o bastante para provocar nele um sentimento de revanche.


Revanche: a palavra, é claro, pretensamente figura entre as proibidas no meio eclesiástico, mas sobrevivia na cabeça do novo estudante. Embora se preparasse para também se tornar padre, especialista em perdão, prometeu “vingança”.


Com isso decidido, sentia-se em dívida com a promessa feita a si mesmo. E “dívidas existem para ser pagas” – pensava – ainda que à custa do derramamento de muita tinta sobre o papel, na produção de novas reflexões, construídas a partir de uma arquitetura à prova de desconforto e resistente a todo vento ou chuva forte. Assim, escreveria trabalhos acadêmicos com uma qualidade que “obrigaria” o professor a lhe dar nota acima de nove. Queria deixá-lo definitivamente sem saída a esse respeito – essa era sua arma silenciosa.


A partir daí, obter o resultado pretendido transformou-se numa questão de honra. Mesmo com a consciência de que nunca atingiria a perfeição. Aceitou o desafio acumulando incertezas inevitáveis.


Ele se propôs vencer esse desconforto e se esforçou o quanto pôde, a fim de obter um resultado capaz de testemunhar sua busca insistente pelo melhor. Era um ótimo começo. Conquistaria o brilho das estrelas? Não. Mas teria de se contentar com nada mais do que um pouco de barro nas mãos? Nunca.


Assim como escritores e pensadores de tempos e estilos diferentes, dentre os quais jornalistas e escritores, Gilberto se comprometeu com a obtenção de uma qualidade sempre crescente, a partir da observação de profissionais que tomariam como suas referências. [Eclético, ao longo dos anos seu santuário ficou repleto de Armando Nogueira, Arnaldo Jabor, Carlos Mesters, Carlos Heitor Cony, Ernest Hemingway, Fernando Pessoa, Joelmir Beting, Leonardo Boff, Lucas Mendes, Luiz Felipe Pondé, Leandro Karnal, Luis Fernando Veríssimo, Machado de Assis, Millôr Fernandes, Neil Ferreira, Otto Lara Resende, Roberto Campos, Rubem Alves, Silvio de Abreu, Somerset Maugham, Victor Hugo, Washington Olivetto, e todos aqueles que foram injustiçados por não estarem nesse pequeno rol].


No momento de oração, olha-se para a imagem de Jesus Cristo, de São Francisco de Assis, de outro santo talvez, e pensa-se humildemente: “Eu preciso ser e viver como eles. Amém.” Na hora de tocar um instrumento, olha-se para estatuetas como as de Mozart e Beethoven e pensa-se: “Eu preciso tocar como eles. Amém.” Na hora de trabalhar, Gilberto olhava para esses modelos e se empenhava em agir de modo que o leitor percebesse se tratar de alguém criado à imagem e semelhança de ao menos alguns deles em alguma medida que fosse.


A “briga” começou a dar certo. É que além das boas notas, esse exercício lhe revelou como é gostoso fazer sempre melhor e sentir o prazer de fazer bem feito. A experiência era pra lá de gratificante. Sem saber, Luís Antonio lhe prestou um grande serviço. Nas suas devolutivas, o padre professor o forçava a buscar o melhor.


A qualidade perseguida foi obtida em pequenas porções, todos os dias, até escrever livros e ensinar criatividade e redação em universidades. O que por si só preparava novo desafio, e outro novo, e outro novo, e vai por aí afora, porque isso não tem fim.


Quando se senta para escrever, Gilberto pensa “Eu não posso me limitar a quebrar pedras. Preciso construir uma catedral.” Assim.

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