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Foto do escritorRubens Marchioni

■ O dinheiro e a fome

A necessidade de garantir a sobrevivência biológica, essa força que ninguém pode vencer, desloca pessoas para aventuras, cujo risco nem sempre é calculado. Elas partem em busca de respostas práticas e imediatas para a exigência vital. À sua espera, com garras afiadas e movida por uma ideologia que prega a acumulação acima dos valores humanos, a empresa do ramo alimentício XPTO – nome fictício -, instalada no Reino Unido, mal pode esperar pelo momento do desembarque. Ávida, ela reúne estas pessoas em situação econômica e profissional precária. Quando se aglomeram, o vozerio dessa gente, em busca do pão de todo santo dia, lembra a agitação de uma manada de búfalos acuada por um bando faminto de leões cheios de fúria e determinação. Somente o silêncio da resignação predomina.

Em geral, são jovens e adultos, homens e mulheres. Um contingente originário, sobretudo de diferentes partes da Europa e Ásia. Peregrinos em busca incerta pelos meios de manter a vida e alguma dignidade. Uma vez tendo tomado posse dessa força de trabalho, a empresa as amontoa em seus pavilhões, a que insiste em chamar “Unidades”. O que acontece ali é uma forma de escravidão atualizada para o século 21. Todos os passos, todos os gestos são rigorosamente controlados não pelo chicote, que é coisa ultrapassada, mas por computadores e câmeras de última geração. Sempre seguidos de gritos que não incentivam nem estimulam, apenas amedrontam. Seriam gerentes, não fosse pela perfeição com que interpretam o papel de feitores. No desempenho de suas funções repressoras, realizam o que disse o filósofo Baruch Spinoza: “É aos escravos, e não aos homens livres, que se dá um prêmio para os recompensar por se terem comportado bem.”

Necessidades fisiológicas? Elas podem ter de esperar até 40 longos minutos, tempo em que a autorização pode ser, enfim, concedida. Tomar remédios de rotina? Não pode. Escovar os dentes após a refeição relâmpago? Também não pode. Quanto a respirar, até onde se sabe, não foi divulgada nenhuma nota desautorizando. No entanto, comenta-se que já existe alguma coisa no ar a esse respeito. A companhia deseja controlar tal luxo injustificado.

Na maioria dos casos, esses quase indigentes não dispõem dos conhecimentos e habilidades indispensáveis para o desempenho das suas funções, segundo padrões mínimos de qualidade. Não recebem treinamento. Não sabem o que é, nem como e para que se faz isso ou aquilo. Apenas são incumbidos de fazer tão bem e rapidamente como se tivessem nascido sabendo. Isso sem contar que a velocidade é determinada pela máquina. Trata-se de esteiras apressadas com a pressa do empresário, desejoso de produzir o máximo no mínimo de tempo e pelo menor custo possível.

Quando a ganância se casa com a necessidade vivida por pessoas em situação de quase indigência o resultado é previsível. Afinal, elas estão dispostas a qualquer aventura para garantir a sobrevivência biológica pessoal e da família. Assim, não é de se estranhar que o poder do capital cresça visivelmente e amplie ainda mais a sua força para dominar essa horda de necessitados. 

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