Waldemar andou alguns metros dentro do piso mais alto do shopping. Era domingo, e ele havia levado o corpo e a mente para passear. A vida cansada precisava de alguma dose de repouso.
Tinha espírito de explorador, garimpeiro. Valorizava a ideia de ser livre para desvendar e descobrir o mundo, ansioso por mapear com segurança o seu entorno. Começou a visita pelo terceiro piso, como de costume; almoçaria no térreo. Quando olhou dentro da loja, a primeira, ao lado da escada rolante, lá estava ela. Sua beleza reluzente o atraiu, sem lhe deixar espaço para refletir.
Ele se afastou devagarzinho, mas continuou observando o que bem poderia ser uma simples miragem. “Meu pai vivia dizendo que não sei dirigir a própria vida. Mas isso vai mudar. Isso vai mudar” – pensou, enquanto atropelava uma gôndola descuidada que estava atrás; no Caixa, pagou o prejuízo causado pela quebra de um objeto de cristal.
Desejou se aproximar novamente. Continuou olhando. O custo de um envolvimento seria bem alto, ele logo se deu conta. Seus trajes, menos pretensiosos, desejavam contracenar com vestimentas confeccionadas com detalhes que denunciavam seu pertencimento à alta sociedade.
Olhou mais um pouco, atrás de óculos com aro de metal e design arrojado. Desejou de novo. Desistiu. Foi embora, na direção da Praça de Alimentação, olhando para o celular e checando o movimento das redes sociais.
Sozinho há mais de dois anos, depois de ver um casamento se derreter, no restaurante ele pediu um prato italiano, relembrando antigas experiências vividas a dois. Como de costume, teria tomado uma taça de vinho. Desistiu. Foi à doceria e saboreou um pedaço de torta mousse de chocolate. Em seguida, um cafezinho aromatizado com baunilha. Enquanto isso, olhou novamente o celular e checou o movimento das redes sociais. Agitou com os dedos os cabelos castanhos levemente desarrumados e brincou com a própria barba, que contrastava com a pele clara.
Entrou em outra e mais outras lojas. Esforçava-se por gastar o dinheiro com parcimônia. Mas ainda assim foi vencido pela ideia de comprar um livro dedicado às pinturas de Monet. A paixão pelo artista vinha de longe. Datava dos tempos em que, adolescente ainda, visitou com o pai uma exposição de arte. Waldemar era movido pelo senso estético, apurado durante anos de leituras e observações.
Precisava controlar o impulso permanente de acumular coisas. No mais, passeou com os olhos. No entanto, nada apagou aquela imagem, que durante dias seguidos frequentaria seus pensamentos e produziria sonhos.
A segunda-feira chegou. Tudo se transformou em dias úteis e eles pareciam ter chegado para neutralizar toda a inutilidade daquela experiência que bem pouco prometia.
Mas o domingo fez a lição de casa e novamente apareceu, cheio de sol e da alegria relaxante que tem o dia em que até mesmo o Criador tirou para descansar um pouco de tanto trabalho.
A agenda de Waldemar já estava fechada desde sempre a partir daquele primeiro encontro numa loja que nem fazia parte dos seus pontos de frequência obrigatória. Vestia camiseta carmim e camisa esporte, verde esmeralda, de mangas compridas, com calça jeans e tênis pretos. E foi assim que ele voltou ao mesmo shopping. Ignorando o piso térreo e o primeiro acima dele, foi logo para o terceiro, olhando o celular e checando o movimento das redes sociais.
Entrou novamente na mesma loja, com a esperança de um novo encontro. Ela estaria lá?
Dessa vez Waldemar teve sorte. O reencontro aconteceu. Olhou novamente aquele par de olhos azuis com jeito de mar calmo. Olhou os cabelos, feitos de cachos com um tom loiro platinado. Estava muito bem vestida.
Dessa vez não teve dúvidas. Mesmo sabendo que pagaria o preço pelo estouro do orçamento sustentado pelo salário de fisioterapeuta, chamou a balconista e pediu que a embrulhasse. Enquanto o pessoal do pacote cuidava disso, olhou de novo o celular, checando o movimento das redes sociais.
Em casa, um apartamento com ares de estúdio, vestiu uma bermuda azul. Arrumou as almofadas e ligou um rádio antigo, herança de família. Em seguida, acendeu um incenso; escolheu o aroma de patchouli, seu preferido dentre os que compunham seu repertório. Mas nada se integrou melhor à sala do seu apartamento do que aquela pintura, emoldurada com predomínio de ouro velho e traços prateados, sobre o vaso enfeitado com o assíduo dente-de-leão.
Olhou novamente para o quadro na parede e folheou rapidamente um livro de Clarice Lispector, que dividia com ele o pequeno espaço, onde recebiam autores como Gabriel García Márquez, Oscar Wilde e Drummond, às vezes sem os seus óculos, roubados novamente na calçada de Copacabana.
Waldemar estava feliz por ter realizado mais este sonho. A conquista daquela obra, um óleo sobre tela no melhor estilo Caravaggio, fazia para ele uma enorme diferença. Agora, em casa, viveria acompanhado de si mesmo, traduzido naquela pintura.
Pronto, a cena estava completa. “Silêncio no estúdio! Gravando!” ≡
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