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Foto do escritorRubens Marchioni

■ O abandono inconsciente

Ernest, no auge da terceira idade, foi levado para dentro da instituição. E havia nisso um sentido de urgência. O inverno gritava o seu grito silencioso. Ele era feito de vento e de chuva; um abrindo sulcos profundos na pele, outro encharcando a alma.

Tudo se pode suportar, exceto o desprezo. E essa verdade é anterior ao pensamento de Voltaire, filósofo francês. Para o ser humano, isso significa o prenúncio da morte. Não fomos programados para essa forma de não-vida. Gregários, precisamos de atenção, mais do que pão e cobertor. O projeto de viver como uma ilha é uma prova evidente de falta de juízo. Impor a alguém essa condição, crueldade. 

O fato não deve causar qualquer forma de espanto, quando se tem consciência de que outros seres, numa escala de evolução bem inferior, até mesmo dos animais irracionais, ou dos minerais, vivem a mesma situação: os robôs.

Toda evolução da tecnologia tem sido insuficiente para conquistar índices satisfatórios de progresso, do ponto de vista da cognição das máquinas que ela inventou. Assim, não alcançam uma verdadeira autonomia. Isso implica em que, sem a presença humana, pouco ou quase nada podem fazer. Essa é uma constatação que se verifica entre profissionais, frustrados, envolvidos em programas que se dedicam à área de desenvolvimento robótico – hardware e software. Nisso, até a máquina mais avançada se assemelha ao Ernest. Depende do outro para existir e cumprir o seu papel na sociedade.   

Ora, não se recolhe um ser humano apenas para protegê-lo da chuva, do sol e do frio. Mas, regra geral, esse grito não é ouvido nem mesmo por instituições e grupos que figurariam entre os dez melhores no quesito boa intenção. Ernest bem que protestou. Mas nada foi feito. O prato cheio de comida e o agasalho não foram suficientes para garantir sua sobrevivência. Ele permaneceu quase vivo, de um canto para outro. Sua história encontrou o final da maneira mais previsível. Ele foi embora. Precisava de calor. Sua máquina foi insuficiente para suportar toda essa intempérie.

Quem o abrigou estava ocupado demais com suas lutas, necessidades e desejos. Muitos deles causados pela dominação da própria tecnologia. Ela, por vezes, amordaça mais do que liberta. O projeto inicial não era esse. Deu errado. ₪

▪ PALAVRA DE ESCRITOR.  “Acho que o livro é sempre melhor que eu. Estou sempre no encalço do meu próprio livro. Se o acho bonito, quero ser bonita. Quero ser boa e perfeita, igual a ele. Aquela harmonia que suponho conseguir é também a busca de minha harmonia pessoal, da minha vida, enquanto cidadã, filha de Deus aí no mundo. Estou buscando aquilo que o livro consegue antes de mim.” Adélia Prado. O lugar do escritor. Eder Chiodetto. Cosac & Naify.

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