Ela estava esperando por ele, no horário combinado, naquela avenida repleta de carros e de toda sorte de gente, e de gente que também era muito azarada, e tinha o menino que corria colocando um pacotinho de balas no retrovisor dos carros, sem ter feito pesquisa de mercado, coitado do menino, e, sem ter estudado na GV, administrava o semáforo, que podia abrir, e os carros levariam o seu único produto, com validade vencida, talvez, aquele item que significaria alguma fonte de renda pra família de cinco pessoas, e ela estava lá, na hora combinada, e o rapaz não aparecia, até que ela decidiu que iria embora, não ia esperar merda nenhuma, quem espera sempre cansa, que sujeito mau caráter, com aquele cabelo ridículo, todo bagunçado, e aquele dente da frente, todo preto, combina uma coisa, a gente vem, ele dá o cano, não vou esperar coisa nenhuma, ninguém mandou atrasar, e o menino que vende bala se atrasou, e o semáforo abriu, e alguns carros levaram suas balas, e ele ficou sem a sua fonte de renda, amargou um prejuízo, de novo a conta não fecharia, a conta dela também nunca fechou, mas ela estava lá, mesmo com as suas contas financeiras e pessoais abertas, e o rapaz que ela esperava gastou uma grana fazendo uma droga de tatuagem no braço, fez uma caveira, parece que gosta de morte, e eu aqui, até o meu tamanco já vai furar, mas o rapaz poderia ser a possibilidade de salvação, talvez até lhe arranjasse algum, e ela poderia ao menos pagar a conta de luz, e naquele dia se daria o luxo de um banho quente, não sei por que precisa existir essa merda de frio, a gente podia muito bem ficar sem isso, podia fazer trinta e cinco graus todos os dias, mas podia ser quarenta, rio quarenta graus, não tem importância, pobre não tem roupa de frio, pobre tem falta de roupa até pro calor, uma camiseta de manga regata, de um partido político, com algum furo porque não deu pra comprar outra já seria o suficiente, será que alguém percebeu que a minha camiseta é do pijama, mas tem essa merda desse frio, e tem a conta de luz, e já vai vencer a conta de água, e daqui a pouco não vai ter nem banho, mas aquele merda daquele sujeito me deu o cano, tô esperando faz tempo, faz um ano, faz um século, acho que faz uma eternidade, ele vai ver só, deixa encontrar com ele, eu vou mostrar que não se deixa uma moça direita na beira da calçada esperando alguém que nem teve a consideração de ligar e avisar que ia atrasar, que a mãe ficou doente, que foi no enterro da terceira avó, que foi atropelado, sei lá, fala alguma coisa, mas não me deixa aqui esperando, pô, eu podia ser assaltada, mas levar o que, merda, eu tenho mais o que fazer, preciso trabalhar, mas trabalhar onde, a minha patroa me dispensou, pelo menos eu tomava banho quente na casa dela, e tinha até um arroz e feijão com ovo, a comida está pela hora da morte, assim não dá, daqui a pouco o pobre do pobre não vai ter o que comer, pelo menos isso, mas ninguém, nem o partido político, faz nada, nem o sujeito aparece, ele e aquele Uno caindo aos pedaços, talvez ele me arranjasse algum, depois eu falo com ele, vou passar na casa da mãe dele, ela deve saber alguma coisa, a vizinha dela é uma víbora, não suporto aquela mulher fofoqueira, olha aquela menininha, com um cachorrinho branco, pelo menos ela tem companhia, não está esperando ninguém, acho que foi com a mãe comprar pão, vamos combinar, pão com mortandela é bom demais, é da hora, mortandela na chapa, lá perto de casa tem, mas a mortandela também tá pela hora da morte, vou entrar naquele bar e tomar um café, finalmente o sujeito chegou, vou ter uma conversinha com esse mau caráter de merda ou eu não me chamo Adelina, ele vai ver o peso da minha mão pequena, Senhor, me dá paciência, porque se o senhor me der força eu estrangulo com a cara desse infeliz, estrangulo nada, eu amo ele feito uma tonta, acho que eu sou mesmo uma tonta, nunca vi amar uma pessoa desse jeito, acho que ele vai pagar a minha conta de luz, e eu até vou tomar banho quente, se ele quiser, eu divido com ele o resto da água do chuveiro, que vai ser cortada, quando tô com aquele idiota parece que não devo nada pra ninguém, êita amor besta esse meu!, mas ele não viu que eu estava aqui, passou direto, acho que foi tirar o pai da forca, menino, me dá um pacote de bala, depois eu te pago, falô? ≡
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