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Foto do escritorRubens Marchioni

■ Nada é para sempre

A mudança é a única coisa da qual temos absoluta certeza – que o diga Heráclito, o filósofo, que fez a afirmação muito antes de mim.

Flávio mudou. Na primeira cena da história ele apareceu como um garoto totalmente desinteressado por qualquer coisa que lembrasse estudos e coisas do gênero. Na escola, passou por todas as reprovações.

Lembro-me bem dele, adolescente buscando o próprio caminho e vivendo um momento carregado de conflitos. De um lado, o grupo de pessoas que esperava dele um bom desempenho na escola e no trabalho. Era do jogo. Mas ele não atingia as metas que estabeleciam. A pressão se intensificava. Flávio se defendia a seu modo, também sem critério, ou com critérios mal formados. Enquanto isso, alimentava certa dose de resistência crescente à proposta que lhe faziam.

Mas um dia isso mudou.

“Quer estudar, estuda. Não quer? Problema seu” – foi a decisão do grupo, um tanto desanimado diante do projeto fracassado de colocar Flávio na linha a qualquer preço.

“Sério mesmo?” – ele pensou. “Então vou poder escolher?”

Por conta disso, pela primeira vez experimentou o corpo e a mente caminhando leves, porque já não carregavam o peso de toda a pressão. Flávio estava livre. Tão livre que entrou numa banca de revistas e começou a folhear alguns exemplares, que não comprou. No rádio, passou a ouvir programas de jornalismo opinativo, dentre outros. Televisão, isso ele não tinha, era luxo demais.

Ao mesmo tempo, e sem que fosse exigido nesse sentido, Flávio passou a observar como era a vida de estudantes universitários, além de prestar atenção à maneira como viviam os profissionais que, na parede do local de trabalho, exibiam um ou mais diplomas e certificados de aperfeiçoamento.

Mas, como viver uma vida igualmente interessante? Era preciso descobrir. Então Flávio passou à condição de estudioso. Não dos livros, mas do caminho que percorreram as pessoas que a partir de então lhe serviam como referência. Viu que o trajeto era feito de escola e de livros.

E quanto aos autores de textos publicados em revistas que folheava nos intervalos entre assuntos de contabilidade e aulas maçantes sobre temas desconectados da sua realidade? Eles eram produzidos por jornalistas, psicólogos, psiquiatras, sociólogos, advogados etc. “Mas, de onde sai essa gente?” – Flávio se perguntava. Dos livros e das escolas de nível superior – concluiu.

Outra pergunta ocorria: como chegar à escola de nível superior? Obtendo resultados satisfatórios nos anos que a antecedem. Lembrando de que esse período é apenas um período, não dura a vida inteira. O que dura a vida inteira é o que vem depois. Portanto, só havia um caminho à sua frente: estudar. Agora, com uma motivação que era sua, feita com a marca das suas verdades.

Logo em seguida, aos 14 anos, Flávio fez a primeira experiência, caminho escolhido livremente. Motivado pela carreira dos seus modelos, participou de um concurso literário em sua escola e conquistou o primeiro lugar. Tudo com direito a entrega de certificado em evento solene. Era assim que queria viver: ocupado com o trabalho de falar e de escrever.

Flávio concluiu que só havia um caminho à sua frente: estudar um pouco além do apenas satisfatório.

Se por um lado Flávio não dispunha de dinheiro para comprar livros, de outro ele conseguia o suficiente para comprar revistas com validade vencida, e sem capa, na única banca da cidade. Em casa, devorava não apenas os conteúdos. Ia além, e observava a arquitetura e a carpintaria de cada texto. E terminava com a leitura dos créditos e o aumento do seu número de modelos.

Também na cidade, os profissionais que lhe serviam como referência eram, naturalmente, pessoas mais velhas. Então, o quanto possível, Flávio passou a investir no relacionamento com elas. Para ele, era como se falassem a mesma língua, vivessem no mesmo universo. Com uma diferença: seus novos amigos não frequentavam aquele mundo do qual ele desejava se livrar.

Entre uma coisa e outra, Flávio apaixonou-se por uma garota que nascera no mesmo sítio que ele. A menina tinha pais bravos. Tinha irmãos bravos. E ninguém aprovou aquele romance. Flávio vivia sob ameaça velada. Flagrados juntos, um dos dois pagaria o preço da ousadia levando uma surra em praça pública. Mas o amor não poderia ser submetido a esse jugo desproporcional. Eles queriam apenas ser felizes um ao lado do outro.

E agora? O que fazer? No entanto, o encontro, inevitável, com um dos irmãos, aconteceu. Mas Flávio não dispunha de força física e da necessária habilidade para um confronto corpo a corpo com ele. O braço dele era forte. Sua determinação de fidelidade ao credo da família, contra aquele romance, era ainda mais robusta. Flávio não podia sucumbir à situação.

A saída veio de afirmações de especialistas e de depoimentos que lera há pouco em algumas revistas. A habilidade verbal e a articulação necessária para argumentar em favor da sua causa estavam disponíveis, desenvolvidas nas conversas com amigos mais velhos, quando até arriscava discutir alguns temas despretensiosos. O treinamento era constante. Nos livros e revistas, buscava conhecimentos. Nas conversas, desenvolvia habilidades e pensamento estratégico. Na vida, encontrava as motivações para usar teorias e práticas aprendidas.

Depois vieram os cursos superiores, frequentados em boas escolas, cujas portas se abriram com mais facilidade graças à eficácia de certa cultura geral acumulada durante esses anos. Vieram as aulas em universidades e o trabalho na área de Comunicação. Junto disso, veio a realização pessoal e profissional. Sem ter de pedir licença. E com a certeza de que tudo na vida é processo. Ao contrário dos palácios, na vida as cosias simplesmente não acontecem por decreto.

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