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  • Foto do escritorRubens Marchioni

■ Escrever não é decorar e repetir

Muita gente pensa que é. Quando decide que quer se tornar redator, logo compra uma boa gramática. Na era do consumo, parece que tudo dá em gôndolas ou nasce pendurado em displays – é só uma questão de passar recolhendo os frutos.

Sem desejo, técnica e disciplina, nem todos os livros publicados no mundo podem salvar alguém de jogar tempo e dinheiro no lixo. Não demora para que o resultado apareça. Chega o momento de cobrir o cheque especial e quem o preenche é alguém que apenas não erra escrevendo “hum” ou “treis”. A gramática, pobre coitada, já vive seus dias de apoio para a porta que fica batendo com o vento. O resto é só frustração. Que maravilha seria se o melhor mecânico de automóveis fosse também e justamente por isso, o melhor motorista. Mestres e doutores no assunto seriam anjos e santos nas ruas e estradas.

Mas só conhecimento, sem atitude, não resolve nada. Se informação ajuda, atitude faz acontecer. Ter a gramática na ponta da língua e limitar-se a isso não garante nada além de que o texto ruim de antes continuará ruim agora, apenas com menos erros de português. A propósito: você já somou o número de anos em que estudou Língua Portuguesa? Se tudo isso não o levou a escrever, por que acreditar agora que a solução do problema passa por aí?

Decorar regras gramaticais não transforma ninguém em redator. Saber localizar modelos, menos ainda, sem contar que isso não exige qualquer talento. Apenas o desejo de escrever pode fazer o milagre da transformação. É preciso ter paixão pela arte, que neste caso, além de bela, dá um trabalho danado.

Diante de um texto bem escrito, o redator sente-se tomado de encantamento. Mas ele não pára por aí. Porque aos poucos esta sensação se transforma na inveja santa e construtiva que leva primeiro à admiração, depois ao trabalho. Inconformado com qualquer resultado que não seja no mínimo ótimo, sai em busca de vencer-se e, de quebra, superar os profissionais da escrita.

“O melhor é o melhor”, dizia Walter Clark, autor do copiado padrão global de televisão. A atitude é inteligente, perspicaz. Mais do que isso: é elegante, chique. Poucas coisas merecem tanta apreciação e respeito quanto um trabalho bem feito – uma bela obra sempre diz muito sobre seu criador.

Isso requer abertura e mudanças no conteúdo e na forma de dizer. Substituir modelos superados de correspondência comercial por uma linguagem própria, original, com personalidade. Ter domínio sobre as principais técnicas de comunicação contemporânea, estas sim muito mais importantes que os compêndios de gramática. Só com essa autonomia é possível desenhar o texto segundo as necessidades específicas de dizer ou calar. Privilégio e direito apenas de quem é senhor da arte de criar, nunca dos escravos dos manuais de cartas para todas as ocasiões, capazes apenas de copiar.

Nos meus cursos de escrita criativa e de redação empresarial criativa desfaço estes mitos que mais paralisam do que realizam. Pouco a pouco os treinandos mudam o foco das atenções. Já não se preocupam em decorar se pode escrever Vossa Senhoria com “s” minúsculo ou se a data fica do lado esquerdo da carta. Percebem que não vale a pena gastar dinheiro num curso apenas para saber o que já está bem respondido nos manuais – e existem boas obras do gênero no mercado. Descobrem o gosto pela ideia de tornarem-se redatores, criadores, não copistas. Porque sabem que em tempos de marketing um a um, personalizar a comunicação da empresa, quebrando toda dureza desnecessária e tornando-a eficazmente simpática, é o melhor caminho. É a vitória da criatividade sobre a repetição. ₪

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