■ Empregados são funcionários que colaboram?
- Rubens Marchioni
- 21 de fev. de 2019
- 3 min de leitura
FUNCIONÁRIO. EMPREGADO. COLABORADOR. Basta a iniciativa de escrever um pequeno artigo e narrar fatos corriqueiros, para que esses conceitos revelem a precariedade confusa dos seus traços. Será assim dentro das empresas?
— Eu conto com a sua colaboração – disse Ignácio, o gerente, olhando para Giácomo, cujo crachá informava ser ele um membro da equipe responsável por um importante projeto em andamento.
— Claro, você sabe que pode contar comigo – respondeu prontamente. Havia em sua voz um tom de cumplicidade velada. Ele estava imerso naquele trabalho. Seu envolvimento ia além das expectativas alimentadas pelo contrato de prestação de serviços, com suas cláusulas, quase pétreas, construídas segundo os ditames da legislação vigente.
Naquela companhia, Giácomo era tratado como colaborador. Isso acontecia apenas porque dele se esperava um retorno além do previsto numa eventual descrição de funções? Ao menos conceitualmente, e talvez com toda liberdade, havia entre os dois um relacionamento muito próximo. Tratava-se de um parceiro, alguém que ultrapassa a simples ideia de cumprir uma jornada de trabalho ou honrar um contrato formal. Giácomo veste a camisa e todas as demais peças do vestuário profissional. Ele comprou a ideia.
Uma vez que patrão e empregado eram movidos pelos mesmos objetivos, um colaborava com o outro, afirmação cuja reciprocidade pode ser questionada. Seja como for, nesse caso, em particular, e ao menos em tese, aquele jovem disposto a construir uma carreira era identificado como parte da empresa. Mesmo que o rótulo em nada lembrasse uma tatuagem.
Enquanto isso, numa estação do metrô, bem próxima dali, a rotina diária corria sem pressa. O serviço de alto-falantes cumpria o seu papel, sem regularidade. “Atenção colaboradora Valentina, favor comparecer à… Atenção colaboradora Valentina, favor…”
Em alguns minutos a garota se encontrava a postos, aguardando novas instruções. Era preciso manter a atenção. Ouvir. Anotar. Perguntar de novo, se necessário. A escassez de emprego e a necessidade de um salário permanente gritavam com sua voz implacável. Agir de maneira contrária poderia ter um alto custo. Desestabilizaria a vida pessoal e financeira, deixando a família com dificuldades ainda maiores.
“Preciso garantir meu espaço, emprego está difícil, e sem salário não dá pra viver. É por isso que estou aqui” – Valentina refletia, enquanto desempenhava suas tarefas com a religiosidade indispensável para manter uma conquista com a qual, no entanto, não se identificava.
Uma empregada? Sim, a sua força de trabalho era empregada diariamente a serviço de um patrão que a remunerava por isso. Todos os meses, ele depositava na conta bancária daquela jovem uma pequena parcela dos resultados financeiros obtidos em sua atividade empresarial, exercida no segmento de transporte urbano de passageiros.
Valentina, uma funcionária? Evidentemente. Ela desempenhava uma função, fazia o que era para ser feito, e nisso funcionava a contento do empregador, que a mantinha no seu quadro de empregados. E a fim de aumentar-lhe a autoestima, o chefe sempre lembrava a jovem o seu papel de parte integrante, membro de uma equipe, cuja atividade era das mais importantes para a obtenção dos objetivos empresariais, o lucro entre eles. Nesse sentido, ela era constantemente convidada a colaborar, a fim de que essas metas fossem atingidas.
Retomando a questão, a bibliografia sobre o tema adverte que a palavra colaborador remete também à ideia de traidor, o que não é nada confortável ou lisonjeiro para quem a carrega. Lembra seu uso histórico e o triste papel que já desempenhou: judeus colaboracionistas da Segunda Guerra Mundial tinham a tarefa de monitorar, controlar, espionar judeus nos campos de concentração, onde trabalhavam em regime de escravidão. Colaboravam servindo ao inimigo.
Usada em nossos dias, o que essa expressão representa? Seria apenas um artifício, um simples modismo criado para enfraquecer a ideia de compra e venda de mão de obra e de aumento dos lucros? Teria ela o papel de disfarçar o permanente conflito entre capital e trabalho, além de ser uma denominação inadequada para quem é contratado pelo regime da CLT? Por que a palavra entrou com tanta determinação e ocupou seu espaço nas empresas, como quem veio para ficar ad aeternum? Com quem ela está colaborando, afinal?
Giácomo é um colaborador. Valentina, uma funcionária, empregada da companhia de metrô. Chamada a colaborar. Um e outro têm a mesma natureza e deles se espera as mesmas coisas: resultados que tragam felicidade aos acionistas. Os recursos fornecidos para que desempenhem suas atividades são de empregado ou colaborador? E quanto ao salário e outros benefícios e direitos? ₪
RUBENS MARCHIONI é palestrante, publicitário, jornalista e escritor. Autor de Criatividade e redação, A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. rubensmarchioni@gmail.com – http://rubensmarchioni.wordpress.com
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