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Foto do escritorRubens Marchioni

■ Em algum lugar da Europa

Era inverno na cinzenta Inglaterra. Uma ameaça rondava a porta da casa de Julio, alugada numa cidade sem pretensões: a falta de perspectiva profissional.


Ele estava determinado a encontrar uma resposta para o impasse que somente lhe entregava duas sugestões: ficar ou partir novamente. Talvez alguém conseguisse, auxiliado por um bisturi equipado com a habilidade de revelar as entranhas da alma, revelar o que movia a busca acirrada de Julio. Certamente a motivação era feita de algo que transcendia a necessidade apenas objetiva de garantir a sobrevivência, sua e de seus queridos.


Num almoço corriqueiro, sua filha serviu uma sugestão que lhe parecia adequada ao tamanho do desafio. Aproveitando o fato de que a cidadania italiana lhe garantia o direito de viver legalmente em qualquer parte da Europa, por que não tentar um trabalho em Portugal? Lá, por razões óbvias, ele teria muito mais chances de se ocupar com algo da sua área profissional. Mesmo que algumas horas do dia fossem dedicadas a trabalhos mais simples, como os indispensáveis cuidados com a cozinha de um restaurante, por exemplo.


O lugar é bonito e a cultura tem mais traços em comum com a do seu país de origem. Isso, além do ótimo vinho, dos doces e de toda a comida, saborosa - engorda que é uma maravilha e faz um bem enorme para o colesterol, que se sentiria nas nuvens; melhor abafar o caso. Ao mesmo tempo, sua arte, sua dança, sua música, tudo tem uma beleza que encanta e acolhe.


Claro que Julio não seria embrutecido por uma busca incessante dos prazeres da comida e da bebida, para não prejudicar o próprio corpo e não ferir alguns princípios sagrados da teologia moral. Nisso ele seria beneficiado pelo aprendizado da arte de decorar o prato que lhe serviria a refeição. Mas, afinal, por que gastar um parágrafo inteiro falando sobre comida? Julio se lembrava do que lera em Bertolt Brecht, quando o dramaturgo alemão teria lançado uma advertência decisiva para quem investe na autoimagem. Pensamento atribuído a ele dá conta de que “Para quem tem uma boa posição social, falar de comida é coisa baixa. É compreensível: eles já comeram.”. No entanto, a posição social de Julio estava longe, bem longe das alturas.


Depois, quando finalmente sua namorada viesse viver com ele, poderiam pensar num trabalho como autônomos ou coisa assim. Até lá, a infraestrutura mínima para esse novo projeto de vida já estaria plantada, o sonho devidamente desenhado, em terceira, quarta, quinta dimensão – por que não? Com esses recursos básicos ao alcance das mãos, tudo o que devia ser feito seria isso: ir à luta.


Tratava-se de uma possibilidade a ser considerada, nesse futuro em que tudo é apenas possível, e sobre o qual o que sabemos é que ele será diferente do hoje de que dispunha, cenário fértil onde atuam o corpo e a alma, nem sempre sucesso de crítica, sem o direito religioso de encerrar a temporada.


Tudo era, portanto, uma questão de investigar os recursos disponíveis e construir a felicidade possível.


Evidentemente Julio estava diante de um quadro com alto potencial de gerar conflitos internos. Onde deveria permanecer o seu foco? – eis a grande questão. Como não supervalorizar um ponto de vista e negligenciar outro, apenas porque isso seria conveniente para construir argumentos, mesmo que falaciosos? Como evitar a cilada de comparar o ideal com o real, sempre com a vitória do primeiro sobre o segundo, como é natural, operação que tende a conduzir até os piores resultados? O que Julio sabia era que o grande interesse haveria de estar sempre no futuro, lugar onde passaria o resto da sua vida, e isso requeria uma alta dose de capacidade poética de construir cenários sobre a rocha.


Julio sabia que olhar apenas para o passado ou para o presente seria o primeiro passo para perder o trem do futuro, que passa ignorando pequenos descuidos. Eis o grande desafio, que exigia atenção máxima. É preciso ser mestre nessa arte delicada para não queimar as melhores cenas.


Uma questão, no entanto, permanecia aberta: qual o custo, emocional e financeiro, dessa operação? De onde seriam retiradas as energias necessárias para esse empreendimento?

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