Orientado a abafar impulsos naturais, chegou o momento decisivo na vida de Eduardo: atender à vocação, democraticamente decidida pelo pai, e definir a própria missão de vida, orientada desde sempre rumo ao sacerdócio ministerial.
Eduardo era livre para recusar os sacrifícios e para aceitar as regras impostas pela Igreja Católica. Só não tinha se dado conta de que um conselho de Jesus havia sido transformado pela instituição numa regra chamada celibato, da qual nenhum ministro sob suas leis poderia fugir.
O jovem conversou seriamente com a sua liberdade. Abriu-lhe o coração e expôs as suas dificuldades, que não eram poucas. Mas firmou um acordo: seria fiel, pelo menos até que a morte os separasse.
A vida continuou. Os dias se transformaram em semanas. As semanas eram fortes, e bastavam umas poucas para compor um mês. E eles, um após o outro, se juntavam formando a imensidão de um ano com suas liturgias.
Esse período infindável era suficiente para que Jesus nascesse, crescesse, incomodasse o poder romano, morresse, ressuscitasse e dividisse a História em Antes e Depois. Mas Eduardo era apenas relativo. Durante uma vida inteira, só seria capaz de administrar incertezas, ter algumas atitudes salvadoras e uma morte apenas regional.
Movido por uma força crescente, padre Eduardo procurou caminhos em busca de um afeto essencial.
Era inverno. O frio se declarou o novo proprietário daquele corpo abafado por instruções paternas e teológicas para avisar a alma que ela sofria de uma deficiência: o calor que nenhum abraço da paz conseguiria suprir.
O clérigo ouviu a mensagem, que chegou sorrateira e clara. O corpo e a alma entenderam o alerta. Tiveram convicção de que sem um corpo saudável, a mente não poderia ter a sanidade pretendida por ele e pela ciência. Eduardo estava longe de ser negacionista, ainda que as regras paternas e eclesiásticas o encaminhassem nessa direção.
Aos poucos ele inventou e alimentou uma situação de namoro sigiloso com uma mulher que frequentava, assiduamente, alguns espaços que lhe era comum.
Ser criativo, sob a direção do amor é uma tarefa difícil, quando se está sob o peso da lei. Mas era preciso relativizar – o amor sabe tudo sobre isso. De quantas maneiras um obstáculo pode ser vencido?
Quais são as metades de oito? Quando se faz a pergunta no plural, as respostas possíveis se enfileiram e se fazem notar. “Oi”? Claro que sim. “To”? Claro que sim. “Três”? Claro que sim. “E”? Claro que sim. “M”? Claro que sim. “W”? Claro que sim. As respostas se repetem iguais. Mas as respostas para o desafio tomam caminhos diferentes, bastando que se imagine a palavra cortada em pedaços. Ou o número, igualmente fracionado. De quantas maneiras Eduardo conciliaria as reivindicações do corpo e da alma e os votos de pobreza, obediência e castidade?
Em meio a incertezas, o romance ganhou espaço. Pouco a pouco, o comunitário se tornava privativo. O coração pastoral se recolhia para outro modo de ser e de viver, pulsando sem os efeitos da pasteurização que cria o “ósculo respeitoso” e formal como o Direito Canônico. Eduardo queria ir além. Ter o direito de mergulhar em outra dimensão, o da entrega com nome, rosto e identidade bem desenhados. Mesmo sabendo os riscos envolvidos nesse caminho que não inclui a liderança religiosa dividida com uma aliança na mão esquerda. Na medida em que avançava, Eduardo transformava em ruínas qualquer ponte atravessada. Mesmo que não o fizesse, a instituição saberia como dinamitá-las irremediavelmente.
Como no Evangelho de João, o romance embrionário se fez carne e habitou entre nós. Impossível não ser visto. Antes um projeto de vida, agora se transformara numa criança identificada com os espaços desconhecidos de um jardim e suas delícias. Brincalhão, o caso triturava a sisudez das reuniões solenes e ritualísticas, com peraltices e surpresas inventivas que os manuais não conseguiram imaginar. A flor tem o hábito de questionar a dureza monótona do paralelepípedo. Ela grita, e seu grito é o novo canto do Uirapuru na floresta silenciosa e corriqueira.
Aconteceu. Descoberto, o clérigo se recusou a aceitar a acusação episcopal, feita com base em fatos. É que sua visão sobre o celibato o tranquilizava quanto à maneira de agir frente a ele, avessa aos cânones da Igreja.
O impasse foi criado. Ou não. Afinal, o bispo dispunha de armas centenárias para resolvê-lo. A primeira e mais forte, a regra segundo a qual “Roma locuta, causa finita.” O bispo é a palavra de Roma, a Cidade Eterna, onde quase tudo parece tomado pela perenidade solene.
Padre Eduardo foi imediatamente suspenso de ordem, decisão gerada na dureza de um palácio e sem prazo para ser revogada. Decisão eterna, que o afastava para sempre dos templos e das suas liturgias. Sim, ele seria livre para frequentá-los, desde que respeitasse a distância mínima para não incorrer em problemas ainda maiores e mais duradouros.
O desejo de fincar raízes na Terra, antes de conhecer o Céu, o deixou com a tarefa de decidir: intransigente, devia manter sua posição e pedir dispensa ao Vaticano? Ou se adequaria às regras da instituição? ≡
Comments