Todos os dias, bem cedinho, Fábio saía para o trabalho. Era empregado de uma empresa do mercado financeiro, mais precisamente na área que cuidava do atendimento ao cliente. Ele estava feliz, e isso bastava. Havia aprendido muito naquele período. Conceitualmente, conhecia com profundidade a sua nova função. Na prática, dominava a técnica de fazer as coisas saírem do campo das ideias e se transformarem em soluções que beneficiavam muita gente. Sabia, sabia fazer e queria fazer – tinha um enorme senso de atitude. Ele vivia tranquilo, circulando por um terreno em que dispunha de tudo o que precisava entregar. E entregava muito bem. Aparentemente, não havia com o que se preocupar.
No entanto, e sempre tem um ‘no entanto’ para desestabilizar nossa vida e história, alguma reviravolta aconteceria. E esse jogo não se pautaria pelas mesmas regras que lhe davam a tranquilidade de sempre para entrar às oito da manhã, fazer uma hora de almoço, sair às seis, de segunda a sexta, e atender mecanicamente as demandas que chegavam.
Ele não se deu conta de que em sua direção estava um tsunami. Tivesse notado, Fábio teria se protegido de alguma forma. Faltou atenção ao cenário em que vivia. Mas ele não viu. Não julgou. Não agiu.
Não recusou a situação confortável em que parecia se encontrar, porque em tempos de mudanças extremas como essas que vivemos, ‘conforto’ pode significar perigo. É estranho pensar que alguém luta uma vida inteira para atingir um nível de vida confortável e, depois de atingir sua meta, a próxima tarefa é desconfiar de tudo o que conseguiu? Parece que sim.
Com Fábio não foi diferente. Ele se deu conta do que viria pela frente quando, enfim, especialistas passaram a afirmar que cerca de metade das tarefas realizadas na economia global, e isso incluía mais duas mil atividades executadas em 800 ocupações, poderia ser automatizada por tecnologias já existentes. Uma evidência de que a situação se tornava extremamente perigosa para sua sobrevivência profissional. E o buraco era ainda mais profundo. Ele descobriu que 400 milhões de profissionais terão de buscar uma nova qualificação até 2030 – a história é fictícia, mas os números estão em matéria publicada por uma respeitável revista brasileira de economia e negócios.
Fábio acordou. Se deu conta do fato inegável de que, para as empresas, automação é um ótimo negócio. Afinal, ela leva ao aumento de eficiência e gera crescimento das receitas. Assim, passam a direcionar o tempo dos funcionários para áreas em que as pessoas são insubstituíveis, como inovação, por exemplo. Mas isso é para quem está preparado.
Como se pode ver, toda essa situação significa, para Fábio, um teste de resistência emocional e profissional. Embora saiba que pode contar com alguns aliados, como os cursos e treinamentos que estão por aí, também sabe que terá de desenvolver, muito rápido, outras habilidades.
E então Fábio passa a viver mergulhado num clima de tensão, que lhe rouba as melhores energias. Sente-se constantemente avaliado, sem saber que performance pode apresentar. A cada novo julgamento sutilmente imposto pelo mercado, a cada novo confronto, tudo o que ele leva é a certeza de uma pena que pesa sobre seus ombros. Afinal, o mercado desconhece a palavra clemência.
Fábio recorre da decisão que essas mudanças impõem, porque elas reduzem suas chances de escolha. Com base nisso, revê o próprio posicionamento. O que lhe exige atitude extrema – ‘É melhor fazer aproximadamente agora do que exatamente nunca’, sugeriu o publicitário Nizan Guanaes. Ele retoma os estudos. Estuda a distância. Frequenta aulas presenciais. Mergulha nos sites de busca, nos livros, revistas e jornais. Seleciona a programação de TV em função de seus novos e exigentes propósitos. Luta com toda a teimosia e determinação para se reinventar. Cria métodos e processos para agilizar a caminhada. Pode dar certo, acredita.
Deu. O Fábio de hoje não é mais o do primeiro parágrafo dessa narrativa. Ele conquistou um novo estado de segurança profissional e emocional, mesmo sabendo que, em tempos como os nossos, qualquer coisa que remeta à ideia de segurança tem valor relativo. Mais do que conhecer as suas dores, abandonou a condição de passividade. Não é conduzido, conduz. Decide o rumo da sua história. Tem o reconhecimento dos colegas e familiares. E dedica-se a contar sua jornada a quem interessar possa. Porque sabe que compartilhar é o melhor caminho para realizar a missão pessoal de contribuir com a criação de novos autores – nenhuma definição pode ser melhor para a palavra ‘autoridade’. ₪
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