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Foto do escritorRubens Marchioni

■ Armadilha

Com certa frequência dou de cara, no Facebook, com mensagens compostas basicamente pelos seguintes elementos: uma foto ou vídeo mostrando alguém em situação desumana, tragicamente miserável. Fazendo parceria, um breve texto. Em geral, ele é muito bem escrito. Vai direto ao ponto, embora revele a miopia crônica do autor. Sua tarefa é alertar o internauta sobre o fato de que ele não tem problemas. Sugere, nas entrelinhas, que talvez devesse se envergonhar da sensação de que algo não anda bem com a sua vida.

É claro que devo, sim, olhar à minha volta e reconhecer como o fardo de algumas pessoas é muito pesado. Mas quando começo a acreditar que a vida tem sido muito generosa comigo, em alguns aspectos, e apenas comemoro o feito, corro o sério risco de me acomodar. De achar que porque tenho sapatos, quando algumas pessoas não têm pé, tudo para mim está resolvido. No entanto, convém lembrar que pequenos luxos como ter um teto, um par de sapatos e um prato de comida, isso é o mínimo a que um ser humano tem direito.

Os poderosos, aqueles que se negam a distribuir os bens com justiça e equidade, querem exatamente isso: que eu pense que vivo no melhor dos mundos só porque ainda não morri de fome. E, o quanto possível, que eu seja capaz de demonstrar-lhes profunda gratidão por essa generosidade política sem medida. Eis a armadilha diabólica da qual fujo sem escrúpulos.

O meu fardo não é tão pesado, porque tive oportunidades que outros não tiveram. Já os miseráveis, eles não nasceram assim, como coisa do destino. Ao contrario, foram empobrecidos por uma minoria muito rica. Da mesma forma que ninguém é filho de escravos, mas de escravizados. E quanto àqueles que não têm um pé? Talvez o tivesse se não fosse o descaso com a saúde pública. Como se sabe, existe uma causa para isso, e ela é conhecida. Afinal de contas, ninguém deixa de ter uma parte do corpo por vontade própria.

Quando se muda o paradigma, algumas coisas se tornam evidentes. E contra fatos não há argumentos. 

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