Por isso, fujo deles como o diabo foge da cruz. Considero essa prática um erro gritante daqueles que escrevem sem ter o devido cuidado. O que faz, no mais das vezes, com que a qualidade e o resultado obtido pela mensagem vão por água abaixo.
Não estranharia se me taxassem de impopular por mexer num vespeiro como esse – seja como for, não vou bater de frente com ninguém por conta disso. Mesmo sabendo que estes jargões inundam até mesmo o trabalho de redatores que dispensam apresentação, gente que se espalha por esse Brasil inteiro, do Oiapoque ao Chuí. Dada a sua popularidade, poder-se-ia, então, acreditar que o vasto uso do clichê lhe garantiria credibilidade. Não é assim. Convém lembrar que toda mosca tem uma preferência clara por alimento em decomposição, mas isso não o torna desejável para os humanos, ainda que em situação extrema de miséria. O critério é o mesmo.
Verdade é que, quando troco figurinhas com outros profissionais sobre o tema, eles demonstram o mesmo sentimento de repulsa ao jargão. Tecem duras e pesadas críticas a esse hábito nefasto. Disparam, atiram farpas certeiras, por meio de ataques fulminantes àqueles que pouco se importam com a elegância e o frescor necessários à comunicação. Quando podem, usam a mídia, por meio da qual botam a boca no trombone contra os praticantes que frequentam essa seita e difundem seus malefícios.
Antes de se tornar um cacoete, algumas expressões agradam em cheio, satisfazem a gregos e troianos. Enquanto recurso de comunicação, fazem um sucesso estrondoso, dada a originalidade que carregam ao nascer. Nesse sentido, acerta em cheio o profissional que se beneficia de tudo o que elas podem fazer para conquistar o leitor. Inicialmente, o usuário arrebenta a boca do balão, e não perde a oportunidade de mostrar que é excelente redator, fazendo proezas até debaixo d’água. Sua atuação é impecável, eis o que deixa claro.
Mas então as coisas mudam. O que parecia apenas uma onda passageira, mostra que veio para ficar, se espalha feito praga nas redações. Os redatores batem na mesma tecla, esbanjando tais expressões por todos os cantos, como se tivessem abraçado uma causa das mais honrosas. Na verdade, estão brincando com fogo, porque extrapolam quando pensam que são verdadeiras usinas de ideias inovadoras. Via de regra, tornam-se vítimas fatais da própria vaidade sem medida. Porque o que nasceu como algo novo, agora batido ao limite, transforma-se em pensamentos viciados. Clichês, sem força e sem graça.
Se estes profissionais do texto, até então a nata da sociedade neste segmento, abriram a carreira com chave de ouro, experimentando uma alegria contagiante, agora correm o risco de encerrá-la melancolicamente. Se antes botavam banca, agora caem pelas tabelas. Pagam o preço de não abrir espaço na agenda para os riscos oferecidos por vícios que chegam lentamente e criam raízes. Males que abalam os alicerces até mesmo da carreira de profissionais, às vezes meteórica e aparentemente inquestionáveis, que aos poucos vão caindo por terra. Estes redatores são vítimas de uma doença que nem a mais avançada tecnologia consegue evitar.
Conheço alguns que, no outono da vida, com um longo caminho já trilhado, ainda pisam na bola quando escrevem. Não raro, com frequência surpreendo este ou aquele profissional com a boca na botija, sem se dar conta do mal que praticam. Ainda não conseguiram se libertar dos jargões, que povoam toda a mensagem. Tenho amigos pessoais – não vou dar nome aos bois – que incorrem nesse erro crasso.
Não se trata de gente que pensa ter o rei na barriga, mas tocar nesse tema indigesto, verdadeira caixinha de surpresas quanto às reações que provoca, poderia gerar muita polêmica e nenhum resultado satisfatório. O simples fato de mencionar o cardápio de uma reunião sobre o assunto já criaria um clima pra lá de delicado. Meu amigo poderia facilmente chutar o balde, com direito a anular a minha expectativa de ser acolhido de braços abertos. Inútil pensar em calorosa recepção ao meu esforço, em caloroso abraço ou coisa assim. Mesmo sabendo que depois de dar com os burros n’água eu seria capaz de também dar a volta por cima e costurarmos um acordo de nunca mais tocar nesse assunto, prefiro evitar o desgaste inevitável.
Bom seria se pudéssemos trabalhar juntos contra esse mal, porque, como sabemos, a união faz a força. Fazendo uma parceria saudável, apararíamos as arestas de todo trabalho criado por meio das palavras. O que me resta é a opção tímida de correr por fora, falando sem falar. Não me parece que seria de bom alvitre agir de outra forma. Sem contar que minha atitude certamente teria poucas chances de coroar-se de êxito e minha dificuldade de debelar as chamas provocadas pela minha inconsequência seria enorme. Consultar o travesseiro é uma decisão que em geral revela o melhor caminho a seguir quando não se pretende dar de cara com um congestionamento monstro de situações desagradáveis em nossas vidas. Assim, pensando com os meus botões sobre os riscos, prefiro evitá-los enquanto há tempo, sem sair falando tudo o que me dá na telha, ainda que movido pela vontade incontida de rasgar o verbo.
A pergunta que não quer calar: como unir corações e mentes para que se debrucem sobre o tema do uso de clichês, que tanto comprometem a qualidade de um texto nascido, às vezes, de ideias brilhantes? Como fazer isso sem entrar em rota de colisão com um enorme grupo de acomodados, ao detonar um processo de limpeza cujos efeitos não interessam a todos? Claro que é preciso aquecer as turbinas e defender a bandeira da qualidade na comunicação para que o problema não fique restrito a umas poucas palavras, ditas apenas da boca pra fora, sem a equivalente atitude prática.
Pois é, agora é que são elas: como descascar o abacaxi, evitando ao mesmo tempo aquelas escoriações generalizadas, própria de quem toma iniciativas impopulares? Se ao menos tivéssemos o apoio que vem da voz rouca das ruas! Mas as ruas não se preocupam com clichês, até preferem as repetições insossas da vida.
Diante do desafio, fica-se inicialmente feito barata tonta. É preciso uma grande injeção de ânimo, algo que nos faça pegar no tranco para iniciar uma tarefa que, sabe-se, pode consternar-nos profundamente. Em momentos de tal forma desafiantes, nada melhor do que ter fé em Deus e pé na tábua. Levantar acampamento, sair a todo vapor e agir a toque de caixa, para que o problema não mergulhe num esquecimento profundo e indesejável àqueles que admiram um texto de dar água na boca, mas, em geral, encontram bem menos do que o razoável. Quebrar o protocolo, recarregar as baterias, colocar-se em marcha continua sendo o caminho mais curto para se evitar prejuízos irreparáveis à comunicação. Isso, para quem não tem medo de se queimar.
Não, não é necessário rodar a baiana. É suficiente dar o ar de sua graça nessa luta que é de todos, mesmo que pegue o bonde andando. Muitos são os que preferem pôr a barba de molho, à espera de um resultado espontâneo, quando deveriam vestir a camisa. A atitude passiva pode provocar perdas irreparáveis, prejuízos incalculáveis, com o respectivo empobrecimento do idioma, em algum sentido jogado às traças. Só mesmo ouvindo o ruído ensurdecedor dos textos mal-produzidos e entrando em ação contra a praga do clichê, que se espalha sem critério, e agindo, é que poderemos respirar aliviados. Ou teremos de nos contentar com a sonora vaia que a omissão esconde e vai mostrar a seu tempo. Viver é lutar. Neste sentido, sigo vivendo e aprendendo.
Não quero trair-me pela emoção, mas acabo de sentir como dá trabalho e é divertido produzir um texto de tal maneira recheado de clichês. ₪
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